“Tem um monstro no meu quarto, posso beber um copo de água?”
M. Night Shyamalan é apontado por muitos como uma fraude, um cineasta de um filme só – seu sucesso O Sexto Sentido -, que nunca mais reencontrou o caminho para as obras de qualidade. Ora, por mais que concorde que de Fim dos Tempos à Depois da Terra a qualidade de seu trabalho tenha caído (e muito, Depois da Terra é horrível!), é inegável que projetos posteriores do diretor continuaram apresentando o talento de Shyamalan para a direção e para a roteirização de obras cinematográficas – incluindo, por exemplo, Fim dos Tempos, seu filme mais criticado, que apresenta uma atmosfera de tensão excelente, em função das escolhas do cineasta. É o caso desse Sinais, possivelmente o melhor trabalho do indiano após O Sexto Sentido.
Em Sinais, Shyamalan nos apresenta a Graham Hess (interpretado por Mel Gibson), que vive com seu irmão, Merrill (Joaquin Phoenix), e seus dois filhos pequenos, Morgan (Rory Culkin) e Bo (Abigail Breslin) em uma casa no interiorana na Pensilvânia, Estados Unidos. Graham era pastor, mas abandonou essa posição ao perder sua fé após a esposa (Patricia Kalember) morrer atropelada por um motorista que dormiu ao volante (interpretado pelo próprio diretor, que surge como ator em boa parte de sua filmografia). É então que um dia o protagonista e sua família descobrem estranhos círculos em sua plantação de milho, logo descobrindo que aquilo se repete ao redor do mundo, antecipando uma invasão de alienígenas que se torna cada vez mais eminente.
Antes de ser renegado por boa parte da crítica e público, Shyamalan era comparado com o dois cineastas díspares, Alfred Hitchcock e Steven Spielberg (esse segundo rendeu uma capa já histórica ao indiano na revista Newsweek), e ainda que o diretor de Sinais tenha uma marca autoral própria, é inegável que aqui seu trabalho encontra muitos ecos nas características populares de Spielberg. Se o tema dos extraterrestres por si só é uma marca na trajetória do realizador de Contatos Imediatos de Terceiro Grau e E. T. – O Extraterrestre, é inegável que o apreço por colocar núcleos familiares – mais especificamente pais e filhos – como centro de suas narrativas, por mais fantásticas que sejam, também contribui para aproximar suas filmografias. Além disso, é notável o domínio que Shyamalan possui de sua narrativa, se dando ao luxo de revelar gradativamente os seres extraterrestres – uma perna aqui, uma mão ali, uma aparição relâmpago e não muito nítida lá -, novamente de uma forma que torna a associação com o tio Spilba - e seu Tubarão – quase inevitável.
Não que Shyamalan seja um mero “imitador”. O cineasta indiano possui brilho próprio, tanto no que tange ao processo de criar seu roteiro – mais sobre isso logo mais -, como ao levar o texto para a tela. Assim, Sinais surge, em função do talento de seu diretor em manipular a platéia, como um verdadeiro filme de terror, fazendo o espectador temer o que não conhece, não vê. Dito isso, o terceiro ato da narrativa é um primor, quando Shyamalan eleva o nível de tensão a um ponto insuportável, brincando com espaços reduzidos e com os seres que rondam os personagens, culminando em um confronto final onde o cineasta mais uma vez mostra seu talento com ângulos e posicionamentos de câmera criativos que, mais do que mero exibicionismo técnico, surgem para servir aos propósitos do diretor, como quando acompanhamos, finalmente, o confronto com um alienígena, quando o diretor busca registrar a cena com diversas tomadas através do reflexo da televisão – o mesmo meio de comunicação que durante o filme passa várias informações sobre a invasão, inclusive o primeiro vislumbre das criaturas.
Mas é mesmo como roteirista que Shyamalan mais se destaca aqui: empregando a mesma lógica de pistas e recompensas utilizadas em O Sexto Sentido, cada detalhes do roteiro de Sinais é digno de atenção, podendo ser reaproveitado mais tarde pela narrativa, seja a informação de que um taco de beisebol utilizado por Merrill está pendurado em sua parede, sejam os inúmeros copos de água pela metade espalhados pela casa por Bo – a garota nunca os termina, pois enxerga sujeira neles. Além disso, é fascinante ver como no centro de um filme fantástico e que traz uma invasão alienígena, existe um estudo de personagem focado em um homem que perdeu sua fé e vive uma situação que, como ele mesmo diz à certa altura ao irmão mais novo, divide as pessoas em dois grupos – “os que ao olharem para as luzes no céu sabem estar por conta própria e os que sentem que não importa o que aconteça, sentem que alguém está olhando por eles”. E nessa mesmo dialogo, somos apresentados aos conceitos de “sorte” e “milagre” do protagonista, que serão testados durante os eventos do terceiro ato da história, culminando em um desfecho que além de dramaticamente representar o fim de um ciclo, surge como uma redenção confirmada na cena do epilogo do filme.
Pontuado por uma das melhores – senão a melhor – trilhas sonoras de James Newton Howard, que conforme as exigências da trama, compõe uma atmosfera de estranhamento, tensão e/ou dramaticidade, sempre com eficiência e melodias marcantes, Sinais ainda apresenta um elenco em sintonia, que vai de uma das melhores atuações da carreira de Mel Gibson ao habitual talento de Joaquin Phoenix para compor os mais variados personagens (e ele se confirmaria nos próximos filmes como, senão o melhor, um dos melhores atores de sua geração, emendando performances sensacionais), passando é claro pelos ótimos atores mirins Culkin e Breslin, que brilham ao encarar a situação que vivem cada com a peculiaridade característica de cada personagem, sem jamais esquecer de retratá-los como crianças, não adultos em corpos diminutos. Assim, Morgan surge como um garoto que vê tudo que acontece no mundo à sua volta com a curiosidade de quem sabe estar presenciando algo grande, e Bo surge como uma garota que vê com admiração a postura do irmão, mas não consegue encarar tudo aquilo de outra forma que não com a inocência dos olhos de uma garotinha de poucos anos de idade. E é essa postura diferente de ambos que rende uma cena curiosa e que confirma o que disse, quando Morgan pega uma fita cassete para gravar o noticiário sobre a invasão extraterrestre e Bo o recrimina por ser a fita de seu recital de balé. Quando o garoto afirma que o que estão vendo é mais importante, pois todos os livros de ciência serão reescritos após isso, a garota apenas responde “meu recital de balé!” e abraça a fita, pois aos seus olhos, aquilo permanece mais importante e ela não precisa justificar isso.
Apresentando uma das melhores cenas da carreira de Shyamalan – uma refeição em família que surge de inicio como a possível última daquelas pessoas e logo se torna um choro em conjunto, recheado de significados -, Sinais ainda se encerra de maneira belíssima, quer seja visto de maneira literal, quer seja interpretado por um viés simbólico. O que acaba por confirmar a força do cinema do cineasta indiano e nos fazer torcer para que ele volte a proporcionar filmes como esse.
Sinais é um filme tão bom, que cada vez que assistimos, temos uma idéia e uma interpretação diferente de seus muitos significados. Ótimo texto, Pedro.
Não "puta argumentação" é de muitas pessoas que falam que o filme é um lixo, uma merda, fraco, fraco, por motivos irrelevantes, fúteis e equivocados, ignorando todas as qualidades que são a marca registrada do diretor.
E eu não falei que tudo no filme é ótimo, leia meu texto novamente antes de criticar, houve um erro de interpretação, concordo que o diretor extrapolou um pouco na arrogância. E quanto aos "coelhos tirados da cartola" esses são um dos pontos positivos do filme, onde as revelações acontecem aos poucos, mantendo nossa atenção. A ajuda extremamente equivocada que o crítico da ao protagonista, não é só uma alfinetada nos críticos de cinema, mas também no público cada vez mais intolerante com obras assim.
Valeu pelo elogio Cristian ;)
Marcos, não vejo como achar que o ponto alto do filme é o roteirista inventando novos conceitos sem preparação/critério algum. É diferente de você rever Sinais ou O Sexto Sentido e ver que as reviravoltas foram preparadas, em A Dama na Agua não, Shyamalan tira tudo do cú e enfia no filme torcendo pra que todo mundo embarque na onda de "ah é uma fantasia, não preciso justificar isso", mas com muitos (eu, iuclusive) não rolou.