QUANDO TUDO DÁ CERTO
O polêmico diretor e roteirista Guy Ritcie (Scherlock Holmes I e II) sempre teve personalidade e talento, mesmo que mal empregados. Em Snatch - Porcos e Diamantes (Snatch, 2000) ele traz seu mais autoral e, possivelmente, melhor trabalho. Um ótimo filme, recheado (e bota recheado nisso) de personagens interessantes, histórias paralelas, reviravoltas e situações originais, em um roteiro sem qualquer brecha, repleto de humor negro, violência e piadas inteligentes.
A estória se divide em duas sub-tramas, completamente distintas, que em determinado momento irão conectar-se. De um lado temos Turco (Jason Statham), um promotor de boxe clandestino em Londres. Turco e seu parceiro Tommy (Stephen Graham) acabam se envolvendo em uma luta com nocaute cominado com o chefão do boxe clandestino, um mafioso apelidado de Tijolão (Alan Ford), que tem o hábito de jogar seus desafetos para serem devorados por porcos. Porém, dois dias antes da luta, seu lutador, George “o Bonitona” (Adam Fogerty), se envolve em uma briga e acaba internado em um hospital. O responsável por internar o Bonitona é um cigano magrelo e de fala complicada chamado Mickey (Brad Pitt), que ninguém desconfiava ser ex-campeão de boxe. Os impressionantes nocautes de um só golpe de Mickey, e tentativa de evitar serem jogados aos porcos pelo Tijolão fazem Turco e Tommy substituírem o Bonitona pelo cigano na luta.
Alheio a isso tudo, temos Frank "Quatro-Dedos" (Benício Del Toro) e seu gigantesco diamante roubado de 84 quilates. Frank precisa consultar Doug "o Cabeça" (Mike Reld), especialista em pedras roubadas antes de levá-lo até Avi (Dennis Farina), nos E.U.A.. Porém, em uma estratégia armada por um de seus comparsas no roubo do diamante, Frank acaba conhecendo Boris "a Lâmina", ou Boris, "o Esquiva-Balas" ou ainda Boris "o Astuto" (Rade Sherbedgia), um uzbequistanês - tratado como russo - que dá um jeitinho de pôr Frank no meio de uma corretora de apostas ilegais para apostar na luta do Bonitona - ou melhor, do Mickey. Mas há dois probleminhas nesta situação: o primeiro é que Frank é viciado em jogos (daí o apelido) e o segundo é que, na verdade, Boris armou tudo e pagou dois bandidos para roubarem o diamante de Frank. Os encarregados de roubar o diamante de Frank são os atrapalhados Vinny (Robble Gee) e Sol (Lennie James) e seu motorista obeso e desajeitado Tyrone (Ade), que só vão fazer besteira até o final do filme. Ao saber que Frank envolveu-se com apostas novamente, Avi parte para londres com seu capanga Rosebud e, junto com o intimidador Tony "Dente-de-Bala" (Vinnie Jones) sai à procura de Frank e os responsáveis por tentar roubar a pedra gigantesca.
Em algum momento, essas duas estórias paralelas se cruzarão e todos esses personagens, cada um com sua motivação completamente diferente da do outro, irão interagir para o andamento desta trama rica, divertida e muito bem bolada de Guy Ritchie.
A direção de Guy Ritchie é sensacional, com um tom cômico desde a primeira cena até o final, embalado pela ótima trilha sonora, bem pop e descontraída (Snatch tem a cara de um filme Tarantinesco, embora mais leve). A câmera do diretor, por vezes, foca ângulos incomuns, como do ponto de vista de um cadáver, ou de vários monitores de câmeras de segurança de um determinado estabelecimento. Pouco antes da estória se desenrolar de vez, temos uma breve introdução apresentando todos os principais personagens (Turco, Tommy, Tijolão, Bonitona, Mickey, Sol, Vinny, Boris, Avi, Doug, Frank Quatro-Dedos e Tonny Dente-de-Bala) com alguma interação entre eles. Fica difícil apontar um protagonista no enredo, embora Turco chegue o mais próximo disto, por ser o narrador. Mas Mickey também é um proponente na trama. Outros personagens, como Avi, e Boris, ou ainda Sol e Vinny tem tanto tempo em cena e tanta importância na estória, que poderiam tomar esse posto.
Mesmo com este número incomum de personagens exóticos, o filme é absurdamente fácil de entender e de simples assimilação, graças à direção de Ritchie, ao grande elenco (até Statham está bem) e ao roteiro que, além de não possuir brechas nem pontas soltas, apresente diálogos muito bem escritos para cada personagem, diferenciando o universo de cada um deles.
Há um pequeno erro de posicionamento em uma cena logo no início, onde Turco e Tommy conversando sobre a compra de um trailer. Nesta cena, um personagem assa algumas salsichas ao fundo, à esquerda de Turco e Tommy, enquanto o Bonitona treina em um saco de areia à direita, bem à frente. Em questão de um corte apenas, o Bonitona aparece socando o saco de areia ao lado de Charlie. Um peueno erro que passa despercebido e em nada interfere ou desmerece este filmaço.
O ponto crucial, onde as duas tramas principais se unem, é uma espetacular sequencia em acompanhamos três cenas, de três carros, seguindo para três destinos diferentes. Um deles leva Sol, Vinny e Tyrone. Nutro deles, Turco e Tommy e noutro Tony, Avi e Rosebud. Essa cena é muito, mas muito bem feita. Um show de direção e edição.
O desfecho do filme é perfeito, amarrando tudo o que foi apresentado até então, sem ser atropelado, nem arrastado demais. O timming do filme é perfeito. A passagem entre as cenas e a troca de protagonismo e subtramas também é um ótimo exercício de estilo de Guy Ritchie.
Guy Ritchie não está no primeiro escalão de Hollywood, mas já nos apresentou alguns ótimos trabalhos de alto nível. Snatch é seu melhor trabalho, em todos os pontos possíveis. Tomara que Ritchie não abandone este estilo tão próprio e tão autoral. O bom cinema agradece.
Prefiro essa a "Jogos, Trapaças e Dois Canos Fumegantes"...
Concordo, Lucas. É quase uma releitura, só que bem melhor.