"Se é preciso uma aldeia para educar uma criança, é preciso uma aldeia para abusar delas. Essa é a verdade."
Se Spotlight - Segredos Revelados possui um grande mérito, esse é o fato de deixar claro o excelente trabalho da pequena equipe de jornalistas que nomeia o filme fez em investigar e revelar, em uma reportagem no jornal Boston Globe em 2001, inúmeros casos de pedofilia envolvendo dezenas de padres que eram acobertados pela Igreja e pelo Estado. É um tema relevante ainda hoje, não só em Boston, mas em diversos lugares do mundo - aqui no Brasil, por exemplo, como o letreiro ao fim filme revela, tivemos casos semelhantes também - e que merece ganhar as telas. Porém, como filme, a obra de Tom McCarthy parece nunca alcançar todo o potencial que seu roteiro - escrito em conjunto com Josh Singer - possui, se limitando em diversos momentos a deixar o texto falar por si só através do elenco estrelado.
Assim, se em diversos momentos podemos ver uma preocupação de McCarthy em retratar através da câmera a situação opressiva vivida por vítimas e repórteres ao baterem de frente com a Igreja Católica em uma cidade que parece dominada pela instituição - e um "eles controlam tudo" dito por determinado personagem é a deixa para a câmera revelar uma enorme igreja ao fundo -, na maior parte do tempo o que o cineasta faz é apostar em diálogos em profusão captados através de preguiçosos planos e contra planos, numa estética que pouco oferece ao espectador. Da mesma forma, por mais eficientes que sejam planos que mostram o árduo trabalho de pesquisa dos jornalistas lendo e relendo documentos e batendo de porta em porta de potenciais fontes para a reportagem, não deixam de soar repetitivos, já que pudemos ver cenas similares em outras obras com o tema de jornalismo.
Essa preguiça, aliás, parece contagiar Howard Shore, compositor geralmente confiável que entrega aqui uma trilha intrusiva, deslocada e que soa extremamente incômoda em diversos momentos. Por outro lado, ainda que nenhum nome justifique o auê dispensado por premiações e críticos ao longo da temporada de prêmios, o elenco segura bem as pontas da coisa toda, em atuações que ainda que diferentes entre si se completam numa harmonia bastante necessária ao que é retratado pelo filme. Assim, Mark Ruffalo acaba sendo o nome de maior destaque por assumir o personagem com o arco dramático mais explícito, o que mais nitidamente sente o peso do desenrolar da investigação e expõe isso com frequência. Porém, Michael Keaton, lidando com um personagem mais pragmático, se sai talvez ainda melhor, recebendo ao final um insuspeito momento em que o passado pesa sobre seus ombros e lhe garante uma ótima cena. Rachel McAdams e Brian D'arcy James pegam personagens "menores", mas que ainda assim lidam cada um com seus problemas a partir do inicio da investigação e recebem suas próprias cenas para brilharem - a que James entrega edições do Boston Globe com a reportagem da Spotlight na porta de um centro de tratamento de padres pedófilos é breve, mas é das melhores do filme. Já entre os coadjuvantes, é dificil não destacar os ótimos Liev Schreiber, Stanley Tucci e Billy Crudup (esse último sempre que vejo lamento por não ser mais utilizado por Hollywood), que roubam as cenas em que aparecem com personagens dramaticamente fortes, ainda que num primeiro momento pareçam unidimensionais.
Mas a força do filme está mesmo em seu texto, como já comentado - ainda que na primeira hora a profusão de diálogos e a urgência ainda não estabelecida, aliada com a montagem pouco inspirada, tornem o filme por vezes entediante. E na maneira como ao mesmo tempo em que parece edificar um jornalismo em falta atualmente - o que corre atrás de fatos, fontes, testemunhas, ouve os dois lados da moeda, etc. -, não se nega a mostrar os deslizes cometidos por aqueles seres que podem ser profissionais exemplares, mas ainda assim serem egoístas - não negam a possibilidade de liberar a matéria antes de "completá-la" para não ficar atrás de um concorrente - ou falharem ao não dar o devido valor a uma pauta - mais de um personagem revela ter procurado o Boston Globe para denunciar o esquema de pedofilia que assolava a cidade e não foi ouvido - em determinados momentos.
Spotlight, então, é um filme que reflete bastante seus personagens: corajoso, mas falho, o que ainda assim não tira seus méritos.
Valeu, Carlos, tinha errado mesmo, corrigi :)