“Você tem que fazer a escolha certa. Enquanto você não escolhe, tudo permanece possível.”
Sr. Ninguém é um filme ambicioso. E por isso mesmo, instigante. A produção do belga Jaco Van Dormael não tem medo de lidar com conceitos que vão da Teoria das Cordas ao Efeito Borboleta, sempre interessada em como nossas escolhas, inclusive as menores delas, influenciam no desenrolar de nossos destinos. Mas, ainda mais do que as escolhas, é a infinidade de possibilidades que com elas vem que parece interessar ao roteiro também escrito por Van Dormael. Cada decisão nossa é por si só um reflexo do Gato de Schrödinger, e enquanto não a tomamos, “tudo permanece possível”, como diz a frase que abre esse texto. Só sabemos o impacto de uma decisão após tomá-la.
Sr. Ninguém é um filme bagunçado. E por isso mesmo, decepcionante. A produção estrelada por Jared Leto, meio deslocado em um papel que não lhe oferece uma oportunidade de explorar seu talento tardiamente reconhecido (o Oscar por Clube de Compras Dallas podia ter vindo em sua incrível performance em Réquiem Para um Sonho, mais de dez anos atrás), acredita-se apenas complexa, mas seu texto parece sofrer de uma falta de revisão incômoda que apenas prejudica o resultado final e reduz sua força. As idas e vindas nas diferentes versões da vida de Nemo Nobody/Ninguém (Leto) são bem realizadas e fascinam, mas certas passagens soam desnecessárias demais, outras parecem pertencer a outro filme (o protagonista explicando alguns conceitos explorados pela obra em uma espécie de “programa científico”) e outras sugerem preguiça do roteiro (a versão idosa do protagonista narrando sua história para um jornalista, sério?!).
Nesse meio termo entre o positivo e o negativo, perde-se a possibilidade de uma cena que seja “A CENA” e cria-se uma obra que sente a ausência de emoção. A começar pelo protagonista: Leto se esforça, é verdade, mas Nemo é um ninguém para o espectador. As idas e vindas no tempo/vidas paralelas o castram de qualquer traço de identificação com o espectador já que não temos algo para nos apegar naquela figura. O que o define? O momento da separação dos pais, quando uma escolha revela infinitas possibilidades de consequências à sua frente? Seu amor por três mulheres diferentes? Ou o amor por apenas uma delas, que parece a preferida da obra, Anna (Diane Kruger, quando adulta)? Ou o que o define é essa indefinição? Bom, talvez seja isso. Talvez essa ideia de não podermos definir alguém que se define a cada pequeno passo seja o mote aqui, mas a falta de empatia permanece lá e podia ser contornada com melhor esmero.
Não que Van Dormael não o tenha. Existem planos aqui que mesmo remetendo a outras obras são belíssimos, ainda que sintéticos, sem emoção genuína. Veja a imagem de um casal se beijando em posição fetal enquanto a câmera gira em sentido horário – algo que rima com o movimento inverso de um momento posterior. Ou mesmo a sequencia que traz o tempo retrocedendo ao final da produção, algo já visto no começo de O Curioso Caso de Benjamin Button, de David Fincher, mas que permanece uma imagem interessante. O problema é que, de novo, é tudo muito bonito, mas de pouco sentimento. E por falar no cara que nasceu velho e foi rejuvenescendo, há no filme de Fincher uma cena que por si só é mais eficiente do que Sr. Ninguém inteiro ao tentar versar sobre como cada pequena ação gera uma reação diferente e molda um futuro completamente novo: o acidente de Daisy, revisitado por Benjamin é tudo que a obra de Van Dormael queria ser e não conseguiu.
Aí chega o final e a odisseia de Nemo chega ao fim. Aí você descobre que não saber o que vai acontecer torna quase impossível escolher, mas que saber não muda isso em nada. Mas aí a coisa toda ressoa mais pelo conceito contido ali do que pela execução, ver o jovem Nemo escolhendo não nos diz muito. E isso acaba quase matando o filme que mesmo vítima de sua ambição sobrevive em função dela e só. Por que é preciso admitir que enquanto jornada de um personagem não diz muito a narrativa, toda a reflexão sobre nós mesmos e nossos rumos que vem após o filme, diz. E isso por si só vale muito. Ainda que, infelizmente, pudesse valer bem mais.
O segmento onde ele se encontra idoso é o principal da história, é a resolução, o inicio, o fim e o recomeço... Serve de parâmetro para todos os outros arcos e sim, todos eles tem suma importância pois cada um explora um sentimento diferente do homem, seja para seu semelhante ou para o meio em que ele vive. Mr Nobody bebe da fonte de alguns clássicos sim, como você disse, mas o que na atualidade não?
Torno a dizer que é o filme em que mais me identifiquei desses últimos sei lá quantos anos e já o re-vi uma porção de vezes e a cada uma, este cresce ainda mais.
Um dia que der, reveja-o com outros olhos 🙁
Gabriel, acho massa que cê tenha visto tudo isso no filme. De verdade. Eu fui ver esperando algo assim, adoro a ideia, o Leto e tal, mas pra mim foi só o que disse mesmo: uma bagunça ambiciosa, mas uma bagunça.
Espero numa futura revisão vê-lo com melhores olhos como você :)
Tudo bem, vou esperar pela sua revisão 🙁 Aliás, texto muito bem escrito...