O longa-metragem Tabu do diretor português Miguel Gomes lançado no ano de 2012, traz uma trama não somente poética, mas como também uma trama que prende seu espectador a um tempo desconhecido, a uma atmosfera quase onírica.
Aurora é uma velha caduca que no fim dos seus dias em Lisboa - Portugal, compartilha o dia-a-dia com Santa, sua empregada negra, ameaçada diariamente por ela, uma ainda “Sinhá” dos tempos “atuais”, demonstrado em seus gestos, meio a seus devaneios e esperneios diários numa confusão mental do presente, confundida as suas lembranças que ainda a atormenta no passado. Este presente e os conflitos domésticos com a empregada denotarão toda a personalidade de Aurora dentro da narrativa do filme, que tem em sua segunda parte, sua juventude contada meio a paisagem africana. Paisagem essa na qual sua realidade branca se mostra sempre em primeiro plano. Esta paisagem que percorre grande parte da obra, mostra uma África apagada, onde os negros sempre estão em segundo plano, como se fossem invisíveis frente aquela história proibida de amor. Uma visão ou uma intenção colonialista, que chama a atenção do espectador, incomoda.
Este incomodo também se dá com o crocodilo que aparece diversas vezes na história, seja como ditado, como citação, ou como um símbolo que te faz parar e refletir toda vez que o vê; fora de espaço, fora de tempo, fora de contexto. É sim a imagem deste animal que marca a vivência de Aurora e sua relação com a paisagem e do ditado inicial que anuncia uma morte por desamor, jogando-se a um crocodilo. É este crocodilo que a alerta a morte, é este crocodilo que nos faz lembrar da África.
Aurora que contava também com a presença de sua vizinha e amiga Pilar, tem nela a ajuda no fim de seus dias para reencontrar um homem com o nome de Gian Luca Ventura.
É dessa forma que conhecemos esta mulher. Na procura e logo encontro de Gian, Pilar desvela a triste história de sua vizinha.
Tabu, e logo citamos Miguel Gomes (roteirista e diretor), consegue na segunda parte da obra surpreender mais ainda pela impecável direção. A narração por Gian nos leva a um passado muito presente, e é assim que o filme consegue prender a atenção. A sensação da temporalidade do filme é de estranheza, como se o presente e o passado estivessem suspensos num mesmo tempo. Talvez pelas histórias, conflitos e paisagens serem ainda tão presentes no imaginário que temos sobre a região africana.
Com uma memória sendo aberta, e uma fotografia preto e branco que se prolonga. Mas, se prolonga em outra textura. Se prolonga em imagens de 16mm, que sutilmente ilustram a história, que nos é dada muda. Muda, numa lembrança do cinema mudo talvez, ou apenas uma forma de atenuar este tempo em suspensão, sem palavras, só de lembranças e contadas apenas por Gian e Aurora.
Um filme que traz poesia, ciclicidade e transparência em sua montagem. Que tem seu tempo impresso por uma voz em off de Deus, ou seriam Deuses? Essas duas vozes tudo sabiam, e para Gian e Aurora (essas vozes), era o que bastava, o que foi vivido apenas por eles.
Tabu é marcante pelo observador que nos tornamos ao vê-lo, descobre-se a todo momento, surpreende-se pela realidade impressa, e pelo desbravamento da história.
A história nos é dada aos poucos, descobre-se. Assim, a lembrança de Aurora e Gian é vivida pelo espectador, com surpresas sutis e sufocos, pois se trata de lembrança, e nada pode-se mais mudar em ações passadas e somente sentir pesar por aquelas pessoas.
Nos tornamos Aurora, nos tornamos Gian, nos tornamos Miguel Gomes. Nosso olhar é desafiado, participamos do momento.
Essa participação é dada por essa espacialidade e por esse tempo no quadro quase bazaniana, se não fossem pelos cortes e close-ups mudos como se fossem as antigas vistas feitas pelos irmãos Lumiere, ou imagens de registros da mais alta classe da época. Imagens estas que nos trazem nostalgia, imprimindo o tempo, o movimento e a paisagem.
Miguel Gomes retrata uma Portugal predominante nos países de língua portuguesa e nos liga a uma situação ainda muito atual. Consegue manter vivo em sua poesia, autores como Mia Couto, realizando um filme que consegue sanar todas as possíveis expectativas. Vem com um olhar mais contemporâneo, desde o hibridismo no roteiro, onde consegue dialogar muito da história do cinema em referências, suscitar um olhar crítico sobre Portugal, utilizar uma linguagem de ficção, de documentário e de registro.
Equilibrando tudo isso numa textura da imagem sensível e sincera, que retrata não só um casal apaixonado, mas leva a tona muitas outras reflexões sobre o nosso hoje.
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