Uma temporada onde o despertar falou mais alto que o vazio
por Thayná Torella
Difícil falar sobre o êxtase que senti em assistir ao filme de Fernando Eimbcke, fico pensando que como dito no filme pela personagem Rita: “É claro que precisa se interessar por algo para lembrá-la”, disse ela quando Moko esqueceu de apagar ao forno e queimou o bolo, me fazendo pensar que minha memória já não esteja trabalhando tão bem, ou quem sabe minha adolescência teria sido tão desinteressante assim para eu não conseguir lembrá-la?
Acredito que não, e notei com este filme “Temporada de patos” (2004), produção mexicana de Fernando Eimbcke, de que existem pessoas que lembrarão claramente, interligarão os pontos, ouvirão aos sons e resgatarão toda uma memória afetiva de uma época tão importante e sensível na vida de uma pessoa, a adolescência, um florescer desconhecido, cheio de peças e acasos. A obra sim me fez relembrar meus tempos de mudanças.
Eimbcke é uma dessas pessoas, tem olhar minucioso ao tratar a adolescência e traz nessa obra, assim como em seus outros longas-metragens uma identidade visual marcada, a de retratar um público pouco contemplado no meio cinematográfico.
Temporada de patos nos traz meninos
heróis, porquê é preciso sim de tamanha honraria para lidar com uma vida tão conturbada, a vida adulta.
O filme é um grande acaso, Moko e Flama após a saída da mãe do segundo, estão em casa, juntos com um entregador de pizzas, o Ulisses (que estaria numa Odisseia em sua vida real) e aguardando na casa dos meninos que eles paguem as pizzas pedidas, junto a Rita, uma vizinha de 16 anos que pede o forno emprestado para assar o bolo de seu aniversário que nunca fica pronto.
Os quatro personagens a partir de então, juntos, influenciam um ao outro durante toda a convivência, cada um é necessário ao outro, cada personagem cresce e amadurece com a relação criada a partir do acaso e da metáfora explicita no quadro da parede, mostrando um grupo de patos migrando, e Ulisses explica: que os patos abrem em voo em V, e cada um ajuda o outro, limpando o ar e o caminho para o próximo, para que possam seguir juntos, quando um se cansa, o outro passa a frente.
O filme levanta questões importantes e consegue encantar creio eu, qualquer tipo de público, ele faz você rir, ter profunda nostalgia e se sentir realizada com as facetas dos adolescentes que aqui vivem os anos 90, importante dado para analisar o ponto delicado do filme, a memória. Ao lembrar-se do antigo emprego num Canil, Ulisses lembra em imagens de videotape essa experiência, grande marca do início dos 90, um grande resgate também para o diretor que deu início a sua carreira com videoclipes.
O longa-metragem todo em P&B também é uma escolha muito perspicaz, retrata claramente a vida apática daqueles adolescentes que até então não viviam, e sim, passavam jogando videogame e indo à escola. Rita e Ulisses chegam para ter naqueles adolescentes uma imagem de seus próprios passados, ponto esse que alavanca o desejo de tentar outro caminho na vida, já Moko e Flama terão nos personagens de Rita e Ulisses o poder de novas possibilidades, a de uma abertura para um novo mundo.
A lembrança dos anos 90, ou desse passado, não se atém somente a pizza, Coca-Cola, videogame em imagem, mas sim através do som que tenta resgatar essa memória, e que também nos chama atenção, seja nos ruídos pontuais que o filme tem do comer salgadinho, ao som com função sensorial, quando no início do filme, os dois meninos colocam Coca-Cola no copo, utilizando o tato, colocando o dedo na borda do copo para marcar o limite da espuma do refrigerante, enquanto ouvimos as bolhas dos gases.
E são esses momentos e essa memória afetiva, que nos leva a nostalgia e a um vazio que o filme nos consegue imprimir e que nos faz refletir.
É no desconforto do primeiro beijo,
É numa briga de divórcio dos pais,
Num bolo batizado, e/ou; um mundo novo descoberto,
Ou na normalidade em se amar sem distinção de sexo.
Enfim, “Temporada de Patos” consegue tratar com sutileza e destreza a questão do adolescer, numa temporada que Eimbcke me fez relembrar carinhosamente.
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