FÓRMULA X CONTEÚDO
Há quem diga que o caminho é tão ou mais importante do que o destino. Concordo. Traduzindo isso para o cinema, seria como se a maneira de se contar uma estória fosse tão ou mais importante do que a estória contada em si. E de fato é. Mais de uma vez vimos filmes com roteiros simples e até bobos, mas que são formatados de maneira irreverente por seus diretores e roteiristas. Recentemente tivemos Brilho Eterno de Uma Mente Sem Lembranças, Irreversível e Amnésia como famosos exemplos deste fato. O badalado Boyhood: Da Infância à Juventude, de Linklater, alcançou muito mais notoriedade por ter sido gravado ao longo de 12 anos com o mesmo elenco, do que pela qualidade da obra propriamente dita. Não que Boyhood seja um filme ruim, mas está longe de ser esta obra-prima que muitos alegam. Andando na mesma linha, mas com passadas diferentes, Por do Sol Limitado (The Sunset Limited), dirigido por Thommy Lee Jones e roteirizado por Cormarc McCarthy (Onde os Fracos Não Têm Vez) a partir de seu romance homônimo, é o primeiro filme sem qualquer tomada externa que me lembro de ter assistido. Durante duas horas de filme, tudo o que se vê são dois homens no interior de um decadente apartamento em um debate sobre seus dilemas existenciais, traumas familiares e questionamentos sobre sua fé. Nenhum flashback, nenhum corte perceptível, nenhuma tomada do lado de fora da janela. Para ser 100% honesto com o filme, há sim dois únicos momentos onde temos tomadas externas. Durante os créditos iniciais, onde acompanhamos por alguns segundos uma estação de metrô completamente deserta e no take final, quando a câmera parece sair janela à fora para focar o sol que brilha no céu.
Creditados apenas de o Negro (Samuel L. Jackson) e o Branco (Thommy Lee Jones), serão estes os dois únicos personagens que conheceremos até o final da projeção. A diferente percepção de vida por parte destes dois homens é o que impulsionará a trama (se é que existe uma) e os colocará em duas condições definidamente opostas. O Branco, professor universitário culto e prestigiado, goza de todo o conforto que seu status pode oferecer, se mostra um homem deprimido, amargurado e sem fé. Tão triste que tentara o suicídio naquela manhã, mas fora impedido pelo Negro. Este, por sua vez, trabalha como zelador e não ganha mais do que o suficiente para sobreviver. Morando em uma zona pobre e violenta da cidade, o Negro não pode se dar ao luxo de ter nada (nem mesmo uma TV), pois sabe que será roubado. Vive à sombra do preconceito, mas mesmo assim é feliz. Principalmente por sua fé que lhe motiva todo o dia e o faz enxergar as novas oportunidades que recebe a cada instante. Resumindo: o Branco retrata o homem desvirtuado do caminho da felicidade e o Negro seu anjo da guarda que surge para salvá-lo. É impressionante (e isso me desagradou bastante) a maneira como McCarthy posiciona os personagens tendenciosamente. O Branco é infeliz, mesmo tendo tudo o que sempre quis em qualquer campo da vida, por ter perdido – ou nunca ter encontrado – sua fé em Deus. Já o Negro, vive com um brilho intenso nos olhos por acreditar que seu Pai (o que reforça seu papel de anjo da guarda) olha por ele todos os dias. O posicionamento tendencioso do roteiro pode ser evidenciado em várias passagens, mas em duas em especial ele chama mais a atenção. Primeiro quando o Branco afirma não ter visto o Negro no metrô e diz que ele apareceu do nada para salvá-lo. Logo depois, o Negro questiona o professor sobre a quantidade de livros que ele já teria lido na vida. E após fazerem uma conta rápida baseada em quantos livros ele lê por semana nos últimos vinte anos, o Negro o pergunta se ele já leu a Bíblia e, ao receber uma negativa, lança a frase “já leu tantos livros na vida e não leu este, o mais importante livro já escrito?”. Não estou aqui iniciando uma campanha contra os crentes de plantão, mas aposto que se McCarthy os chamasse de “idiotas iludidos”, a maioria sentiria-se ofendido. Portanto, não engulo este papo de que “sem tamanha fé não há felicidade”.
Os dois experientes atores estão bastante seguros em seus personagens, mesmo que um certo desconforto seja visível vez ou outra, dado o desgaste natural das longas cenas e dos intermináveis diálogos. A inquietação nos dedos do Branco e sua expressão cansada e derrotada nos deixam desesperados para tentar ajudar aquele homem. Bem como a empolgação e o empenho do Negro para estender-lhe a mão nos causa certa angústia por percebermos que talvez aquele homem não possa e nem queira ser ajudado, o que torna a luta do Negro em vão.
A direção de Jones poderia ser um mero detalhe aqui, dadas as limitações do filme em termos possibilidades a serem exploradas, mas o ator/diretor consegue o mais importante ao sustentar o filme sem que este se torne cansativo demais, embora permaneça no limite. Jones aposta no foco direto nas expressões dos atores, principalmente nos momentos mais intensos, como quando o Branco é questionado sobre sua relação com seu pai, onde dá certa dinâmica ao diálogo para representar o quanto o assunto incomoda o personagem.
Pôr do Sol Limitado é um filme difícil de ser acompanhado, mas merece ser visto à titulo de curiosidade, pois é formatado de uma maneira bastante peculiar e traz argumentos interessantes que merecem ser debatido, seja qual for a sua opinião sobre eles. Mesmo com uma fórmula difícil de ser digerida, o filme possui bastante conteúdo.
No site que baixo torrent's dos filmes tinha ele lá como recomendação, mas não botei fé...
Agora com esse texto vou conferir caro...
Ô Lucas, já te aviso: tem que estar preparado. É como assistir a um debate de duas horas sobre um depressivo e um esperançoso, mas o filme é bom sim. Valeu...
Felipe, eu comprei e não assisti (tenho este estranho hábito) e emprestei para minha mão que quase me soltou os cachorros de tão chato que ela tinha achado. Imediatamente foi conferir e acabei achando interessante.