Você pode até não saber quem é M. Night Shyamalan, mas com certeza já viu, ou no mínimo ouviu falar de alguma dos seus filmes. O diretor indiano ficou famoso em 1999 ao lançar “O Sexto Sentido”, aquele filme do garotinho que via gente morta. O longa foi um sucesso estrondoso, conseguindo seis indicações ao Oscar (incluindo “Melhor Filme” e “Melhor Diretor”) e quase 700 milhões de dólares em bilheteria, além de adentrar na cultura popular de forma incisiva. Seu final, um dos mais imprevisíveis do Cinema, é lembrado e referenciado até hoje.
E é usando esse macete que o diretor conseguiu ganhar ainda mais destaque. O final surpresa, aquele que joga tudo o que pensávamos pro ar, era o que sempre esperávamos num thriller de Shyamalan. Foi assim em “Corpo Fechado” (2000), “Sinais” (2002) e, de forma mais forte, “A Vila” (2004). Depois da fase suspense, o diretor se aventurou em filmes de ação/aventura: “O Último Mestre do Ar” (2010) e “Depois da Terra” (2013). Além do choque filmográfico, em filmes que se relacionam em nada com os anteriores, ambos foram amplamente massacrados pela crítica. Respectivamente, a aprovação dos longas no Rotten Tomatoes foram 6% e 11%, notas baixíssimas. M. Night então resolveu voltar para as origens com “A Visita” (2015), tentando reaver o prestígio de outrora.
“A Visita” retrata a vida de Rebecca (Olivia DeJonge) e Tyler (Ed Oxenbould), dois adolescentes que passarão uma semana na casa dos avós. A questão é que eles nunca conheceram os dois pois sua mãe, Paula (Kathryn Hahn), está há 15 anos brigada com os pais. Rebecca, entusiasta da sétima arte, decide fazer um documentário retratando a semana, porém o comportamento dos idosos vai ficando cada vez mais estranho, fazendo com que as crianças temam por suas seguranças.
O primeiro baque que temos com o filme é a forma que ele foi filmado, no formato found footage, aqueles filmes montados com os próprios atores filmando e feito como se fosse um documentário real. A técnica foi introduzida por “Holocausto Canibal” em 1980, e popularizada por “A Bruxa de Blair” em 1999. De lá pra cá, o uso de tornou cada vez maior – “Atividade Paranormal” (2007), “REC” (2007), “O Último Exorcismo” (2010), “Assim Na Terra Como No inferno” (2014), etc – e, consequentemente, mais batido e reciclado. “A Visita” não escapa de nenhum dos clichês que o formato introduziu, como momentos oportunos aonde a filmagem vai até locais chaves sem muita explicação ou até o patético susto quando o personagem salta em frente à câmera.
O primeiro desafio encontrado pelo roteiro é construir uma justificativa forte e plausível para o uso do found footage. No horror, há diversas situações que largaríamos a câmera e sairíamos correndo, enquanto os personagens continuam filmando tudo sem propósito, o que claramente aniquila a veracidade do filme – isso sem mencionar as baterias infinitas dos eletrônicos do filme, bem distantes da nossa realidade escrava de carregadores. A justificativa de “A Visita” convence, mas a técnica poderia facilmente ter sido deixada de lado. Isso só mostra o quão desesperado está M. Night ao ceder para uma jogada tão banal e amplamente comercial, já que o filme seria bem melhor se feito convencionalmente. Está fácil para ninguém.
Um dos principais erros em filmes found footage é quando sua montagem esquece da própria linguagem. Se ele é filmado puramente pelos atores, tudo na tela é diegético, ou seja, tudo acontece na realidade do filme. Todas as imagens foram filmadas por eles e todos os sons são “reais”. Muitos desses filmes colocam trilha sonora por cima da fita, o que claramente quebra a linguagem do longa, ou até mesmo cenas que claramente não foram filmadas pelos personagens, como as imagens de descanso, aqueles momentos do filme onde vemos o céu, plantas ou detalhes do cenário para dar “respiro” ao ritmo. Num filme “convencional” isso é normal, mas num documentário como o de “A Visita”, onde tudo é feito de forma básica e sem grandes cuidados, planos alinhados e estáticos são quebras do próprio estilo escolhido. É um dos maiores pecados possíveis, demonstrando preguiça, descuido e falta de profissionalismo e noções básicas de linguagem cinematográfica.
O encontro dos jovens com os avós é o choque de duas gerações. Pela delicadeza da situação, todos os envolvidos tentam manter a simpatia e o clima harmônico, mesmo que as crianças sejam a representação da briga com a mãe. Doris (Deanna Dunagan), a “Nana”, é a típica vovó de propaganda de margarina: vive para cuidar da casa e ama cozinhar as maiores gostosuras para os netos. John (Peter McRobbie), o “Papa”, mostra sempre grande intimidade e afeto pela esposa. É o casal e velhinhos perfeitos. Mas na casa há uma regra: cama às 21:30h. As crianças claramente acham aquilo um tédio, e decidem sair do quarto depois do horário, quando se deparam com cenas aterradoras da avó.
Os avós possuem na ponta da língua explicações para tudo o que há de estranho na casa. Dormem cedo porque eles são velhos. Não podem ir ao porão porque tem mofo. O vovô tranca celeiro porque ele tem incontinência. A vovó vomita pela casa à noite porque está doente do estômago. É tudo tão absurdamente lógico que deixa o roteiro com tom de muitas coincidências juntas. Claro, esse feito é óbvio para nós, já que sempre sabemos que de fato há algo errado na situação, mas soa bobo demais ver as crianças caindo em todo o papo dos avós.
M. Night, que além de dirigir “A Visita” também o roteirizou, decidiu dar um tom de comédia para o longa, o que acabou por destruir sua solidez. Mesmo vendido com “thriller”, como seu cartaz, trailer e toda mercadoria promocional informa, a veia cômica está presente em diversos momentos, caindo como um tiro no pé no desenvolvimento que cambaleia entre o terror e a comédia, sem nunca assustar ou fazer rir, o que dita o fracasso. Mas se há uma sacada interessante para amantes de cultura pop é o modo como Tyler troca palavrões por nomes de cantoras.
Enquanto Rebecca é centrada e séria, Tyler é o alívio cômico do filme, cheio de manha e versos rap para toda e qualquer situação (que são as verdadeiras partes assustadoras do filme). Os dois são mortalmente sem charme e nunca conseguem passar o mínimo de afeição para o espectador, que acaba não se importando para o destino de ambos – e isso não se deve apenas a suas pobres atuações, mas também ao roteiro esquemático e previsível do diretor, que não nos poupa de problemas pessoais dos dois para justificar no final algumas cenas para dar tensão – como a germofobia do garoto e o medo da menina em se olhar no espelho.
Como esperávamos, o final surpresa de “A Visita” existe, todavia é fraquíssimo. A banalidade de toda a expectativa pela solução de tudo aquilo é piorada pela forma que diretor resolveu dar fim ao filme. É água com açúcar, é tolo, é sem impacto, sem coração, sem cérebro, ou seja, sem vida, o que reflete perfeitamente a obra como um todo. Soa alarmante ver um diretor que fez obras tão incríveis entregar em sequência filmes fracos e que, com exceção das cifras em bilheteria, estão pouco a pouco acabando com a boa imagem construída com afinco na década passada.
“A Visita” erra como comédia, erra como terror e erra como Cinema em sua simplicidade. Mais um found footage genérico e óbvio, daqueles feitos por diretores iniciantes que estão loucos para chamar um pouco de atenção em troca de alguns trocados e, quem sabe no futuro, conseguir realizar bons filmes. Mas não estamos falando de um diretor iniciante, pelo extremo contrário. “Sexto Sentido” é aquele filme com tapete vermelho na estreia. “A Vila” é o DVD que fica no canto mais escuro da locadora da esquina. M. Night Shyamalan está nadando no fundo do poço que ele próprio cavou.
A melhor definição de “A Visita” é: Katy Perry!
Publicado originalmente em: http://capitalteresina.com.br/colunas/cinematofagia/visita-novo-terror-do-diretor-de-o-sexto-sentido-assusta-ao-ser-tao-fraco-1233.html
Ótima critica Gustavo. Realmente é um filme muito fraco. Não é experimental dessa vez, é so fraco.
Eu nem ia rebater esse "Shyamalan sempre foi experimental", como se fosse justificativa pra alguma coisa, então obrigado Leonardo por fazer isso por mim hahahah mas sobre o "É natural Shyamalan se utilizar de uma técnica popular e atual para se reinventar": a gente se reinventa com coisa nova, com algo fresco e que acrescente ao seu trabalho, o que em nada se encaixa o found footage atualmente. Você pode reinventar o formato, como tem filme fazendo de forma bem boa, mas utilizá-lo da forma mais batida existente e dizer que o diretor tá se reinventando? Oh well...
Tem nada de se reinventar aqui. Na verdade fica bem óbvio que o filme é uma volta as origens. O lance do formato tem nada a ver também, se for bem usado, é bem vindo, coisa que não aconteceu aqui.
Eu afirmei que houve uma tentativa, não que ele tenha conseguido (até porque, como disse, não o assisti ainda).