FILME QUE AJUDOU A PROPAGAR O MISTICISMO EM TORNO DOS TUBARÕES-BRANCO, CONSAGROU UM DOS MAIORES DIRETORES DE TODOS OS TEMPOS
O chefe da polícia local, Martin Brody, lança tranqüilamente as iscas na água, esperando atrair o tal tubarão que tanto aterroriza as águas da região, enquanto fuma seu cigarro no canto da boca, quando é surpreendido pela gigantesca bocarra abarrotada por milhares de dentes da fera, que leva consigo não só as iscas, mas também boa parte da coragem daquele homem. O chefe Brody, em estado de choque, salta de seu banquinho e lentamente vai andando de costas para dentro da cabine onde o pescador Quint e o biólogo Matt Hooper se encontravam. Perplexo, ele pára e, sem piscar nem mover qualquer outro músculo sequer do corpo, profere aquela que seria uma das mais famosas frases do cinema: "You'll need a bigger boat....".
Em Tubarão (Jaws, 1975), considerado o primeiro blockbuster do cinema, Steven Spielberg já nos dava a tônica de qual seria o seu cinema: seus filmes seriam grandiosos. Seriam mais do que filmes, seriam acontecimentos. Seriam espetáculos. Mesmo com inúmeros grandes sucessos e muitos clássicos no currículo (e alguns tropeços, é verdade), Spielberg jamais atingiu tamanha excelência como nesta obra-prima, que reúne o melhor do suspense e da diversão em uma combinação mais do que perfeita. Genial, eu diria.
Quando ouvimos os acordes pesados da antológica trilha do mestre John Willians (que faz aqui seu melhor trabalho), mesmo sem estarmos vendo nada mais do que a barbatana do animal, o coração dispara e logo bate ao mesmo compasso da música. Com certeza, assistir a um ataque do temido tubarão embalado pela famosa música tema, é uma das maiores sensações provenientes do cinema de todos os tempos. Uma perfeita harmonia entre imagem, som e subjetividade – que é a síntese do cinema. A trilha de Tubarão talvez seja a trilha mais famosa de todos os tempos do cinema ao lado do tema de Psicose, do também mestre Bernard Herrmann.
Ao não mostrar o peixão por mais da metade do filme, Spielberg faz com que participemos do filme compartilhando o sentimento de angústia em preocupação dos protagonistas. Não sabemos com o que estamos lidando, o que estamos enfrentando nem a real dimensão dos acontecimentos. Apenas sabemos que o perigo é real. Obrigando-nos a montar cenário em nossa mente, dada tamanha subjetividade com que conduz seu filme, Spielberg faz de Tubarão um dos mais interessantes e eficazes estudos sobre o medo do desconhecido e sobre as diferentes reações diante de fatos assustadores. Exemplo maior disso é a cena em que o colossal predador circunda o barco dos caçadores e, à cada volta completada por ele em torno da embarcação, o nosso coração acelera até quase sair pela boca, nossa pupila dilata-se para focar melhor e as palmas das mãos transbordam suor. Isso, meus amigos, chama-se medo. E analisando as ações do protagonista fica claro que foi apenas pelo fato de ele realmente temer a fera que ele pode vencê-la. Medo implica em respeito e respeito em cautela. Quem não temeu a fera, morreu. Quem não respeitou, um abraço. Quem temeu e respeitou, mas não obteve controle emocional para enfrentar esta situação extraordinária, coloriu o mar de vermelho. Martin Brody temeu e respeitou o monstro, mas acima de tudo, não curvou-se diante dele.
Outra belíssima sacada de Spielberg na direção foi inserir tomada do ponto de vista do tubarão, com a vítima de frente para nós, que acompanhamos todo o seu desespero. É uma pena que nenhuma das três sequencias (mesmo que Tubarão II seja razoavelmente interessante) tenham conseguido explorar nem 10% do legado deixado por essa obra-prima, mesmo contando com nomes como Michael Caine e Dennis Quaid no elenco. Mas é bom deixar claro que nem Spielberg, nem Peter Benchley (autor do livro e um dos roteiristas) estiveram envolvidos nelas, apenas o roteirista Carl Gottlieb, que só ficou de fora de Jaws IV.
E se Spielberg demora a mostrar o tubarão, quando o faz impressiona. Até hoje a visão do bichano com meio corpanzil sobre o convés do barco, movendo-se de um lado para o outro, abocanhando tudo o que pode fazendo com que sua vítima deslize para suas entranhas, não só é um espetáculo visual de primeira (dando um tapa na cara de quem se apóia na computação gráfica), como também é um show por parte da produção – algo corriqueiro na carreira brilhante de Spielberg.
Para dar sustentabilidade à uma trama tão fantástica, o elenco precisava de duas características básicas: talento e carisma, para aproximar o público e trazer veracidade às ações dos personagens. Assim sendo, as escolhas foram mais do que acertadas. O sempre maravilhoso Roy Scheider incorpora com absurda dignidade o chefe Brody, o único a preocupar-se com a segurança do local desde o primeiro ataque. O excelente Richard Dreyfuss vive o biólogo Matt Hooper, que possui um vasto conhecimento técnico sobre o assunto, mas parece incapaz de qualquer ação com relação ao mesmo. E o saudoso Robert Shaw empresta a faceta ao experiente pescador Quint. É interessante notar que estes três homens representam exatamente as três situações descritas um pouco mais acima. Matt respeita e teme o tubarão, mas não consegue dominar este sentimento e por isso é incapaz de combatê-lo. Quint, por sua vasta experiência no mar, não acredita não teme a fera, e por isso acaba por provar de seu poder. O chefe Brody, desde o primeiro instante, reconheceu o real perigo da situação e por isso soube como enfrentá-la. Completando o time de peso, o elenco ainda conta com a elegância de Lorraine Gary, interpretando Ellen Brody, esposa do protagonista e personagem presente nos filmes posteriores, além de Murray Hamilton, que vive o prefeito Larry Vaughn, que se recusa a fechar a praia em pleno veraneio, pois isso acarretaria em uma significativa perda nos lucros – afinal, vidas valem menos do que dólares.
Mesmo se aventurando no espaço, na pré-história e no futuro, foi no fundo do mar que Steven Spielberg encontrou a imortalidade, pois sem dúvidas, Tubarão é sua obra-prima máxima. Um verdadeiro clássico do cinema.
Nossa, deve ter sido uma experiência sem igual mesmo, Felipe!!! Aqui onde moro não temos estas oportunidades.....