"A gente tá fazendo um filme aqui que deve dar errado."
Últimas Conversas é um filme diferente do que Coutinho faria se não tivesse sido tragicamente assassinado por seu filho no ano passado. Na verdade, talvez Coutinho nem fizesse esse filme, já que de início somos informados pelo próprio cineasta sobre sua insatisfação com o material que obtivera ao entrevistar os adolescentes que veremos ao longo de pouco mais de uma hora de duração do filme. Mas isso não importa. O que importa é que o documentário finalizado por seus parceiros, a montadora Jordana Berg e o produtor (e também diretor) João Moreira Salles, faz jus a memória de Coutinho, um dos melhores (senão o melhor) documentaristas do mundo.
Assim, se logo de cara causa estranheza a imagem do cineasta sentado na cadeira que acolherá seus entrevistados, por sabermos que o cineasta dificilmente iria expor sua imagem no seu filme, logo aceitamos aquilo como uma liberdade tomada por seus companheiros para ilustrar o processo criativo de Coutinho. E se poderíamos tomar um susto por ver o cineasta em seu característico pessimismo basicamente dizer que o filme que assistiremos é um fracasso seu, na cena seguinte podemos constatar que o diretor não perdeu o talento para ouvir as mais diversas pessoas e histórias.
Sim, Coutinho em dados momentos parece mais impaciente que o normal, intervém nos depoimentos como nunca, como se esperasse mais não só dos entrevistados, mas de si mesmo como entrevistador, mas isso jamais mata a sua curiosidade e capacidade de ouvir, rendendo cenas divertidas - o cineasta não sabendo lidar com um celular entregue em suas mãos por um dos entrevistados - e outras emocionantes - é difícil não escapar uma lágrima quando uma garota chora ao relatar um abuso sexual. Talvez a reclamação de Coutinho sobre os jovens serem dificeis de lidar, por não terem a memória de vida de um adulto e nem a inocência de uma criança até seja válida (apesar de ser uma visão um pouco limitada), mas ao fim do filme percebemos muitos dos temas trabalhados ao longo de sua filmografia, em marcantes obras pregressas: religião (e falta de), solidão, amor, sonhos, frustrações, e até espaço para uma música ser cantada existe em Últimas Conversas.
Por que Coutinho reúne uma variedade de jovens da chamada classe C, prestes a formarem-se no ensino médio de uma escola pública, mas não está interessado em um retrato da educação brasileira. Para o cineasta o que interessa é o ser humano ali na sua frente, seus sentimentos, sua história. Aliás, mais que isso, a maneira como fala sobre ambos. Daí que para Coutinho nunca interessou a verdade sobre aquelas pessoas, mas, sim, o que elas contam - "pode mentir se quiser", diz o cineasta a um entrevistado.
E há Luíza. Há a garotinha de seis anos de idade, de classe alta, ainda meio distante do ensino médio que encerra Últimas Conversas fazendo o espectador rir e chorar. A pureza de suas respostas - "eu era uma bolinha e cresci" - contagia todos, público e cineasta e mal nos importamos com o fato de que, se vivo, Coutinho provavelmente não permitiria encerrar seu filme daquela forma. Sempre buscou evitar o ápice emocional no fim, não queria pegar o público de maneira tão fácil e "desleal" assim, não permitiria aquela entrevista que foge do restante do filme estar ali. Ficaria como ideia para um próximo filme, já que o arrependimento por ter entrevistado adolescentes e não crianças fica evidente ali.
Ainda bem que Berg e Salles não respeitaram as "regras" autoimpostas por Coutinho. O permitiram realizar esse próximo filme. Permitiram ao público a doce imagem de um abraço que é na doce Luíza, mas parece se ser compartilhado com todos os personagens da rica filmografia de Coutinho. E por que não compartilhado com nós, espectadores, que tanto nos maravilhamos com seu cinema?
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