Um Anjo Caiu do Céu, ou The Bishop’s Wife (a mulher do bispo) faz parte daquele subgênero do cinema americano pós-guerra que produzia uma enorme quantidade de filmes leves e com o tema central focado na redenção do ser humano e seus pecados. Filmes que, com o roteiro repleto de gags engraçadas, charme dos atores e uma mensagem positiva no final de desapego aos bens materiais e exaltando a religião, era tudo que o mundo precisava naquele momento. Por exemplo o filme natalino De Ilusão Também se Vive (1947), também podemos nos lembrar do cinema de Frank Capra, o clássico A Felicidade Não se Compra (1946) é um filme muito parecido com esse, ambos tem uma figura divina que aparece para salvar o mundo carnal da avareza e mesquinharia. E é nesse simpático filme dirigido por Henry Koster, com um conteúdo fortemente religioso, que o roteiro brinca com o julgamento do espectador e o diretor utiliza habilmente vários recursos visuais para pontuar as mudanças dos personagens.
Durante o período natalino, somos surpreendidos por uma figura que anda pela rua fazendo boas ações, logo descobrimos que se trata de um anjo, este é Dudley (Cary Grant), que passando-se por um mortal, é enviado para ajudar o bispo Henry (David Niven) na construção da nova catedral que será paga pela viúva meio megera Agnes Hamilton.
A trama do filme gira em torno do aparecimento do personagem de Cary Grant na vida do bispo e sua esposa Julia (Loretta Young) e desse dinheiro que precisa ser coletado para a construção da catedral. No inicio, Cary Grant interpretaria o bispo, logo perceberam que era uma decisão errada, o anjo é uma personagem extremamente cativante que melhora a vida de todos os personagens ao seu redor, carisma que Cary Grant tem de sobra e David Niven tem em falta. Então, ao assistir um filme de 1947, nosso olhares acabam se projetando para a época, e nesse filme religioso acontece algo que nos surpreende: logo estamos torcendo perversamente pelo anjo que se apaixona pela esposa do bispo! Torcemos com uma certa culpa irresistível, e não é para menos, em certo momento do filme, enquanto o bispo se atrapalha com a viúva Agnes Hamilton, pateticamente atendendo às suas exigências financeiras e ficando preso em uma cadeira como castigo divino, Dudley está patinando com a sua esposa e o taxista, em uma cena belissimamente fotografada (o fotografo é Gregg Toland, o mesmo de Cidadão Kane), com um brilho que somente o nitrato de celulose conseguia.
O roteiro do filme tem um toque dos não creditados Billy Wilder e seu parceiro Charles Brackett, afinal, que filme um anjo é manipulador daquela maneira? Usando seus truques mágicos e charme para se aproximar de uma mulher noiva e logo adquirindo características mortais? Cary Grant está canastrão e sabemos de sua influencia redentora através da reação (descaradamente facial) dos personagens secundários: pelo mordomo de Agnes, a própria Agnes, pela governanta da casa, os meninos do coral, pelas amigas bisbilhoteiras de Julia, o motorista de taxi... Em termos de direção, o casal do bispo e sua mulher são sempre filmados de longe (planos médios), ela sempre meio entediada e suas conversas sempre giram em torno de problemas. Enquanto com o anjo, o diretor abusa de planos próximos do rosto que destacam a emoção (primeiros planos) e de gags engraçadas tipicas do cinema americano.
O bispo sabe da condição de anjo de Dudley, e esse fato é fundamental para sua auto avaliação e posterior redenção. O dinheiro da catedral por sua vez, é doado aos pobres e necessitados, fazendo parte dessa redenção do filme, ao desapego aos bens materiais e aproximação dos valores humanos. Enquanto isso em 2014, um templo avaliado em 640 milhões de reais é erguido em São Paulo, incrível como um filme simples e bobinho como esse consegue passar uma mensagem universal e atemporal.
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