Dez anos após "Amor à Tarde" (1972), Eric Rohmer nos brinda com outro belíssimo filme em que aborda o envolvimento e o interesse sob o paradigma da razão. Se em Amor à Tarde temos a personagem Chloé deliberadamente direcionada a seduzir Frédréric, por uma convicção beirando a lógica e a objetividade desde que o visita pela primeira vez em seu escritório numa tarde, em Um Casamento Perfeito o olhar é agora conduzido pela perspectiva feminina.
Após vários envolvimentos fracassados com homens comprometidos, Sabine (Béatrice Romand) agora quer casar. A sensação que ela transmite diante dessa vontade é a de alguém obtusamente inocente e infantil. Diante de toda e qualquer decepção, é nesse refúgio que ela encontra serenidade, seja no término do relacionamento com o pintor com quem mantém um caso, seja diante da preocupações aventadas sobre si por sua mãe ou mesmo da iminente perda do emprego.
Durante uma festa para a qual se dirige de maneira desinteressada, é apresentada a Edmond (André Dussolier) por sua amiga e anfitrã do evento, Clarisse (Arielle Dombasle), que é prima de Edmond. Com requisitos que considera essenciais a um bom marido, Sabine é estimulada por Clarisse, a qual insinua um "amor à primeira vista" entre os dois, seja lá o que isso signifique. Há uma dualidade do real que percorre todo o filme e que envolve a objetividade e a subjetividade dos personagens.
Enquanto Sabine vive uma ilusão e começa absurdamente a até imaginar como será sua vida enquanto dona do lar, Edmond, sem ter ideia do passa pela cabeça de sua pretendente, mantém um distanciamento seguro e frio de suas pretensões. Ela quer cuidar da casa, mas defendo essa condição como uma divisão de tarefas, uma complementaridade da relação, e não uma posição subordinada ou inferior em relação ao marido. Num dos diálogos do filme, ela questiona seu amigo que afirma que, nessa situação, ela será sustentada:
- É incrível! Mulher que fica em casa agora é prostituta?
- Não, mas é depreciada.
- E aquela que passa o dia ouvindo berro de criança mimada, não é? É você que está ultrapassado! Para você, a relação entre homem e mulher é de dominação. O casamento é uma associação na qual cada um faz o que sabe.
Com esse temperamento forte, idealista e decidido, ela insiste ao máximo uma aproximação duradoura com Edmond, chegando a ligar várias vezes para ele e a de comemorar seu aniversário com uma festa somente com o pretexto de se aproximar dele.
O desfecho, embora previsível, não deixa de ser sedutor e elegante. A natureza humana é repleta dessa contradição entre o real e o aparente, entre o que gostaríamos que fosse e as coisas como elas realmente são. Essa é, na minha opinião, a melhor maneira de interpretar Um Casamento Perfeito.
Ótimo texto! É um dos menos badalados de Rohmer e tão bom quanto outros.
Que maravilha ver um usuário comentando seus filmes.
Obrigado, Patrick! Descobri Rohmer por acaso e, com base nos filmes que eu já assisti, há um certo padrão que faz seus filmes serem daqueles que ou amamos ou odiamos. Sem dúvida, um dos meus diretores preferidos. Acompanho seus comentários sobre ele, os quais me inspiram e me fazem enxergar mais profundamente a obra desse diretor. Abração.
Exatamente, Ramon! Rohmer é um típico caso de diretor pra morrer de amores ou de tédio. Meu caso é o primeiro.