"EU SÓ QUERO IR PRA CASA......"
Imagine uma linha. Em cada extremidade, um indivíduo.
Em uma delas, o veterano Sargento Prendergast (Robert Duvall), que precisa lidar com a morte de sua filha ao dois anos, uma esposa bipolar, a falta de respeito de todos os colegas da delegacia, inclusive do capitão e a aposentadoria antecipada. Taxado de velho covarde por não impor-se com sua milher e por não ser mais agente de campo, Prendergast lida com tudo isso com calma e tolerância sobrenaturais, sorrindo e silenciando-se diante de tudo.
Na contra-mão, o industrial Bill (Michael Douglas), de temperamento explosivo e propício a violência, na casa dos 40, vivendo com a mãe, largado pela mulher e impedido judicialmente de ver sua filha, demitido de seu emprego e vivendo um dia onde nada dá certo: fica preso no trânsito, sofre tentativa de assalto e de assassinato, é extorquido pelo dono de um estabelecimento comercial, não dá dois passos sem que alguém lhe peça dinheiro ou alguma outra coisa. Nem café da manhã ele consegue tomar sem enfrentar a burocracia de um simples fast-food.
A cada segundo que passa a distância entre os dois diminui e em algum momento eles irão se encontrar. Mas que momento seria esse? O momento da reação. Da explosão. Do surto. A diferença entre os dois é a dimensão e a proporção desta reação. Predergast finalmente impõe-se sobre sua esposa e reage a um insulto de um colega, enquanto Bill tem surto de reações violentas ao extremo.
A grande sacada do roteiro é dar razão às ações de Bill. Quem nunca desejou revoltar-se ao ser mau atendido ou vitimado? Quem nunca quis dar vazão ao estresse acumulado por uma postura tolerante imposta por uma sociedade falida? É justo investir dinheiro sete anos em um banco e ter um pequeno empréstimo negado? Atirar num bandido que tentou me assaltar e atentou contra minha vida me torna uma pessoa ruim? Sou obrigado a deixar uma esmola em cada esquina que passo para não ser taxado de mesquinho ou egoísta? É muito receber exatamente aquilo que eu pedi em um estabelecimento? No fundo, todos gostaríamos de agir como Bill diante de tais situações, mas não podemos admitir por que a tolerância e a aceitação de tudo e de todos impera na sociedade dita moderna. Não pode-se dar o direito de descordar de uma minoria ou simplesmente não simpatizar com determinada causa ou conceito e opinião, pois seremos execrados. Um indivíduo pode muito bem não gostar de outro, das suas opiniões ou de suas escolhas, e ainda tratá-lo bem, com respeito e dignidade. Mas hoje em dia, é preciso engolir. Aceitar. Gostar. Acolher. Ser politicamente correto. Bill não concorda.
Talvez a única falha no roteiro seja, ao longo da projeção, ir gradativamente preparando o público para estar contra Bill ao final do filme, já que até então, nos identificávamos com todas as ações do personagem. Queríamos ser Bill. Fazer o que ele faz. Mas o roteiro trata de deixá-lo menos apreciável ao inserir falhas em seu caráter que não podemos admitir, como agrassividade e sóciopatia.
Prendergast dá o equilíbrio das ações, nos mostrando qual seria a reação socialmente aceitável em situações de conflito. Uma espécie de imposição racional. Enquanto Bill da vida à todos os nossos desejos mais profundos, mas que não podemos realizar. As cenas da família de Bill, no caso ex-esposa e filha, assim como as ligações qe ele faz para elas e a cena na casa de sua mãe, servem para dramatizar a trama e nos sensibilizar, fazendo com que acreditemos que Bill pode representar um real perigo àquelas pessoas.
Esse Um Dia De Fúria (Falling Down, 1993) pode ser facilmente considerado o melhor trabalho do diretor Joel Schumecher, diretor de algum talento, mas praticamente sem prestígio algum depois de algumas (muitas) bombas hollywoodianas, como Batman Eternamente (Batman Forever, 1995) e Batman & Robin (idem, 1997), Em Má Companhia (Bad Company, 2002), O Fantasma da Ópera (The Phantom of the Opera, 2004), Número 23 (The Number 23, 2007), e mais recentemente com Reféns (Trespass, 2011), mas que já ecertou a mão em obras como Os Garotos Perdidos (The Lost Boys, 1987), Linha Mortal (Flatliners, 1990), Tempo de Matar (A Time to Kill, 1996), 8 MM (8 MM, 1999) e Por Um Fio (The Phone Booth, 2002). Praticamente um fiasco para cada acerto. E aqui Schumacher realmente faz um trabalho digno, com uma direção apurada, tanto na direção de cenas, quanto na direção de atores. O elenco, aliás, faz um trabalho muito bom, embora se resuma praticamente a Michel Douglas e Robert Duvall. Douglas comprou a idéia do personagem em uma atuação frenética, como se fazia necessário. Duvall está mais simples do que nunca, naqueles papéis que se tornou especialista em fazer, do homem centrado e sabio, um remediador.
Os excessos do filme, como Bill andadando vestido de soldado pelas ruas com uma sacola cheia de armas, ou disparando um projétil de basuca contra uma obra pública, ou o fato de a polícia levar tanto tempo para encontrá-lo, ou ainda a conveniência de nenhuma outra pessoa acreditar nos fatos até então epresentados ou não conseguir juntar as peças mais óbvias dos acontecimentos eram imprecindíveis para a estória fluir, e são totalmente aceitáveis.
Entre todos os finais possíveis, o filme opta pelo mais simples e óbvio, podendo desagradar à muitos. Porém, não diminui em nada os méritos alcançados durante toda a projeção. Um Dia de Fúria é tão verossímil que parece fora da realidade.
No fim das contas, Um Dia de Fúria será sempre um filme atual, pois nós, assim como Bill, estaremos sempre à mercê de uma sociedade hipócrita e injusta, burocrática e fria, desumana. Basta saber se reagiremos como Bill ou Perdergast.
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