Não se sabe ao certo onde termina o mito e começa a pessoa de Anna Scott, personagem atriz do filme interpretada pela atriz real Julia Roberts, em um jogo de identidades que notamos pela forma admirada como que a câmera captura aquela mulher logo na sequência de abertura que será a tônica dessa comédia romântica, em que o impasse da relação do casal principal será, então, encontrar um acordo entre vida social/profissional/artística e vida privada, entre o que se representa e o que se é.
Claro que falando dessa maneira pode dar a entender erroneamente que Um Lugar Chamado Notting Hill (Notting Hill, 1999) é mais complicado do que sugere o seu conceito inicial, mas não é, e a sua graça está, aliás, no fato de se assumir como um filme de gênero sem qualquer pudor, embora seu viés metalinguístico funcione, acima de tudo, para que a jornada romântica daqueles personagens, em especial a de Roberts, seja mais interessante de se acompanhar. Sim, porque a proposta de desvendar a atriz por trás dos holofotes, sem script e sem figurino pronto, faz com que a história de amor do casal protagonista não seja marcada só pelo romantismo, mas principalmente pela descoberta.
Naturalmente essa desmistificação de Anna Scott ao longo do filme (que ironicamente mistifica ainda mais sua atriz principal, que vivia o auge na década de 90 por causa essa e outras comédias românticas de grande apelo, como Uma Linda Mulher [Pretty Woman, 1990] e O Casamento do Meu Melhor Amigo [My Best Friend's Wedding, 1997]) irá render aqueles momentos de maior humor, na medida em que ela, a fim de viver a relação com seu par (Hugh Grant), entende que precisa se adequar a vida comum e média, e para isso precisa se esquivar dos flashes e dos microfones, e o nosso interesse por essa mudança não seria o mesmo se Julia Roberts não encarnasse esse papel, emprestando à Anna atriz aquele charme um pouco incompreensível de estrela e à Anna mulher um carisma e uma delicadeza desconcertantes.
À parte o certo valor sentimental que esse filme tem para mim, das reprises que eu via na TV aberta, difícil não dizer que Um Lugar Chamado Notting Hill é a melhor dessas produções de sucesso comercial estreladas por Julia Roberts, que está inspirada– talvez pela oportunidade curiosa de, de certo modo, interpretar a si mesmo - como esteve em poucos outros filmes seus, por este aqui encontrar um equilíbrio maior entre o cômico e o romântico, fazendo com que a velha história de amor, da princesa e do plebeu, que conhecemos de cor, siga agradável de acompanhar até o fim - daquelas que mesmo já tendo visto e revisto, fica complicado não dar uma espiadinha novamente na TV quando está sendo reprisada mais uma vez.
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