Como funcionário do sistema penal paulista, eu não poderia ser diferente, praticamente inevitável deixar de fazer alguma comparação entre esta obra e a vida real. Tenho em minha "dvdteca" vários filmes sobre o sistema penitenciário, Pappillon, Fuga de Alcatraz, Assassinato em Primeiro Grau (talvez o único que se aproxime desta longa) dentre vários outros e nenhum consegue transpor para as telas com tamanha riqueza de propriedades como é a vida dentro de um presidio . Um Sonho de Liberdade é uma meticulosa experiência psicológica para quem conhece de perto o dia a dia de um sentenciado e uma maravilhosa "viagem" para o amante da sétima arte.
Bom, como todo filme cultuado, a premissa não é segredo para ninguém, Andy Dufresne é acusado e sentenciado a prisão perpétua por assassinar sua esposa e amante, condenado a cumprir pena na penitenciária de Shawshank, irá conhecer a dura rotina de um presidio .
Escrito por Sthepen King e dirigido por Frank Darabont, Um Sonho de Liberdade foi um dos poucos a se tornar uma referência unanime entre público e crítica mostrando ao grande público uma estória emocionante e até certo ponto verossímil, principalmente nos aspectos psicológicos . O grande elo do aspecto psicológico e a plausibilidade reside em Red interpretado magistralmente por Morgan Freeman (a melhor atuação dele em sua carreira), ele é o cara que arranja tudo dentro da cadeia, um "malaco véio" como é apelidado por de traz das grades, notável a construção deste personagem, sabemos que King fez um estudo detalhado para criar as personagens, mas Freeman abusou do seu potencial artístico, se eu não tivesse lido sua biografia, poderia jurar que ele já "puxou cana", com Freeman em ação entendemos um pouco mais sobre personalidade sob carcere privado.
Tim Robbins da vida a Dufresne, cria um ser taciturno e discreto sem a ginga da malandragem e com um ar intelectualmente charmoso e não demora muito para ganhar a empatia de todos a sua volta, sentenciados e expectadores. Cenas como a do auto falante cantando ópera para a cadeia toda ouvir ou construindo uma biblioteca e lecionando para o sentenciados são cenas tocantes e fazem um contraste que impulsionam e dissecam sua personalidade que irradiava a todos. Em uma cena final, Red conclui uma sensação ambígua: Estou feliz que ele tenha conseguido fugir e triste ao mesmo tempo por me sentir vazio sem ele aqui. Dufresne representava a vida e a esperança em um lugar morto, praticamente uma pluma que caiu no pântano .
Uma das sub-tramas em especial me cativou muito, estou falando do inesquecível James Whitmore que há pouco tempo nos deixou. Ele interpretou Brooks, um sentenciado veterano que trabalhava na biblioteca do presídio, depois de cumprir 50 anos ele finalmente ganha sua condicional e acaba sofrendo de um mal que atinge a todos dentro sistema penal, sentenciados e guardas, a institucionalização ou mais conhecido pelo nome de estudo, processo de aprisionamento. Depois de 50 anos "guardado", Brooks não tinha mais vida fora dos muros e das grades, em uma cena memorável chega a colocar na ponta da "bicuda" o pescoço de um amigo seu no intuito de ganhar uma nova pena e não deixar o presidio. Uma cena até certo ponto radical e um tanto filosófica mas muito real, depois de tanto tempo preso o processo de aprisionamento difere os valores de conduta do sentenciado (e do guarda também), King sabia muito bem o que fazia quando decidiu implementar esta trama ao longa, algo que abriu de alguma forma os olhos das pessoas para este assunto em questão e enriqueceu ainda mais esta obra prima .
Corrupção do guardas, homosexualismo, amizades, mercado negro, violência, rotina estão tudo lá, aliados uma trama central eficiente e uma inspiração impar fazem de Um Sonho de Liberdade um filme praticamente obrigatório seja pelo prazer do filme em si, seja pelo didatismo de sua mensagem seja pelas atuação irretocáveis .
King que ficou conceituado por thrillers de terror, viria a fazer outra parceria de sucesso com Darabont em A Espera de Um Milagre que trata do assunto carcerário de uma forma mais fantasiosa (não me agradou), com Um Sonho de Liberdade conseguiu de forma incondicional arrebatar a todos se tornado um marco dos anos 90(uma década mediana em filmes de qualidade) e se destacando de forma atemporal entrando para o seleto rol do clássicos .
Ótimo comentário! Parabéns!