De certo modo o cinema, ao longo de toda sua história, tornou-se uma extensão do teatro. Se no começo Griffith era considerado louco pelos produtores ao filmar planos fechados e closes – pois segundo seus chefes as pessoas iam ao cinema para ver o ator de corpo inteiro – os planos diferenciados se tornaram uma das lógicas principais do cinema, seja para dar ritmo, criar clima ou trabalhar linguagem. Em Uma Mulher Sob Influência (A Woman Under Influence, 1974) John Cassavetes brinca com toda essa perspectiva, quando filma a ação de seus personagens no cenário através de diversos planos que variam entre o estranho e o hipnótico.
A história da família Longhetti, uma família aparentemente comum do subúrbio americano, é fio condutor do longa. Mabel (Gena Rowlands) é a mãe, uma mulher perturbada, que beira a loucura e não sei encaixa nos padrões sociais requisitados. Porém seu marido, Nick (Peter Falk) demonstra compreensão e carinho ao lidar com ela. Apesar disso, ele é um homem ocupado com seu trabalho numa mineradora, não tendo tempo para dar a devida atenção à esposa. Com essa perspectiva ordinária, crescem seus três filhos, alheios a ausência do pai e muito ligados à genitora.
Abordando diversas pressões da vida social, Cassavetes, na década de 70, mostrava uma preocupação muito atual. Casamento, família, amizades, trabalho e julgamentos alheios são alguns desses temas. Tudo está entrelaçado pela relação marido x esposa. De maneira conturbada, Nick troca sua paciência dos primeiros minutos para acessos de raiva, que buscam controlar à força as dificuldades psicológicas de sua mulher.
Posteriormente, em A Morte de Um Bookmaker Chinês (Killing Of A Chinese Bookie, 1976) Cassavetes abusa dos planos fechados, a fim de causar confusão sobre o que acontece ao redor de seu protagonista. Impossível ao espectador não ficar com um sentimento de paranoia ao acompanhar o peso que se acumula nas costas de Cosmo Vitelli (Bem Gazzara). Aqui, porém a câmera subjetiva está em seu auge, dando uma sensação voyeurística a quem assiste, invadindo a intimidade dos Longhetti. Ela passeia pela sala de estar, corre atrás das crianças, treme com a raiva de Nick e perde o foco na histeria de Mabel. A trilha-sonora passando por diversos estilos, desde poderosa música clássica até um jazz descontraído, também ritmo ao filme.
Gena Rowlands faz uma das melhores atuações do cinema, com Mabel dominando o filme até quando não está em cena. Seu deslocamento dos padrões está nos pequenos detalhes no começo, mas se acumula ao longo da estória. Aos poucos ela se perde cada vez mais, trazendo todos a sua volta para situações desconfortáveis. Por outro lado, é mais do que óbvio ficar em dúvida se é Mabel que é louca ou as pessoas ao seu redor que têm dificuldades em entender seu jeito peculiar.
A retirada de Mabel para tratamento psicológico seguida por sua volta ao convívio familiar avigora a necessidade que a sociedade tem de colocar seus indivíduos em padrões específicos. Em diversos diálogos nota-se que o problema não é o que ela faz, mas o que os outros pensam que as atitudes dela refletem, sendo o maior exemplo disso a cena em que Nick e seus amigos de trabalho almoçam em sua casa.
A proposta de Cassavetes de sutilmente quebrar padrões cinematográficos e sociais funciona perfeitamente, alçando seu filme ao hall dos grandes estudos de personagem do cinema. A parceria com uma Gena Rowlands brilhante rende ao diretor uma peça única em sua filmografia. Desta forma, todos os adjetivos positivos não caberiam aqui para elogiar essa obra.
*Texto escrito originalmente para o blog Cine Alphaville.
Grande crítica, Gian!
Fantástico filme!!
Gian, teu texto (muito bom, por sinal) me fez lembrar de uma coisa: preciso rever este urgente! Os detalhes estão cada vez mais vagos na memória....
Valeu, pessoal😁