Quando vi "Hotaru no haka" (1988), senti-me miserável. Eu já havia chorado ao ver filmes, mas não estava a espera de soluçar e de acabar a sessão com um monte de lenços ao meu lado. Não estou a brincar. Passei 70% do filme a verter lágrimas e a ter dificuldades respiratórias! A minha mãe ficou seriamente preocupada ao ver a minha cara vermelha e inchada de tanto sofrer.
Na animação japonesa, um rapaz e a sua pequena irmã lutam para sobreviver durante a Segunda Guerra Mundial. Vê-los desamparados, esfomeados, esqueléticos, no meio daquele caos deixou-me emocionalmente abatido. Especialmente porque me vi a mim e a minha irmã na figura dos personagens principais. A dor deles tornou-se a minha dor. Por momentos, experienciei o que é viver (e tentar sobreviver) na miséria. E tal experiência mudou a minha vida.
Lançado três anos antes, "Idi i smotri" também é um convite indesejado, mas que nos transforma como humanos. Certa vez, na Bielorússia de 1943, Florya (Aleksey Kravchenko), um jovem rapaz, está a cavar, encontra uma espingarda e decide juntar-se à Guerra. O pai já lá está e a mãe fica desesperada ao saber que o filho quer seguir o mesmo caminho. Em princípio, Florya sente-se animado ao divertir-se com os outros soldados. Mas depois estes deixam-no para trás, juntamente com uma moça, Glasha (Olga Mironova). Ambos jovens, indefesos, passam a experienciar a Guerra em primeira pessoa.
Esperadamente, este é um filme difícil também para nós, espectadores. Uma das cenas mais angustiantes é desprovida de qualquer violência. Nela, Florya e Glasha têm que atravessar um pântano de lama. A banda sonora é desconcertante e anuncia o caos que está por vir. O plano é cruelmente longo. A fisicalidade do momento é impressionante. É a perfeita representação dos esforços e do declínio de uma geração marcada por um conflito terrível e infeliz.
Suportado pela cinematografia de cores mortas do Aleksei Rodionov, o realizador Elem Klimov opta por uma estética pessimista para nos apresentar um retrato cru sobre um dos momentos mais célebres da História da Desumanidade. Num certo momento, um soldado da SS pega Florya pelo colarinho e aproxima-o da câmara. Ele quase olha para nós. Observar o seu rosto é testemunhar o sofrimento de uma criança inocente. E não podíamos sentir mais miseráveis como humanos face a tanta falta de humanidade.
Aleksey Kravchenko vive Florya de uma forma dolorosamente verdadeira. Diz-se que o cabelo do ator foi ficando grisalho ao longo das filmagens. Mito ou realidade, o personagem, de facto, parece envelhecer perante os traumas de guerra que experiencia, o que só torna tudo ainda mais assustadoramente autêntico. E posso dizer convictamente que não me recordo de ver uma performance tão profunda e honesta por parte de um intérprete infantil.
"Ivanovo detstvo" (1962) é outra grande obra russa sobre uma criança que vive durante a Segunda Guerra Mundial. Mas o filme de Andrei Tarkovsky assemelha-se mais a uma experiência esotérica e poética do que propriamente a uma representação legítima da crueldade humana, que até nos faz pensar no real significado do Terror como género cinematográfico. E ao passo que "Hotaru no haka" me deixou encharcado de lágrimas, "Idi i smotri" deixou-me simplesmente pálido, perturbado.
No entanto, obras de arte como estas são essenciais. Educam-nos. Fazem-nos odiar guerras. Tornam-nos pessoas melhores através do pior exemplo.
Sofremos para não querermos sofrer mais.
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