Antes de apreciar algum trabalho de David Lynch, o espectador deve saber que se comprometerá com um material intrigante, e que está prestes a incursar na mente de um dos maiores cineastas contemporâneos. Aliás, chamá-lo de cineasta seria injustamente limitá-lo. Além de dirigir filmes, Lynch trabalha com música (foi ele próprio quem concebeu a trilha sonora de seu primeiro longa-metragem) e também traz consigo uma experiência com pintura.
Seus filmes são conhecidos por, de certa forma, colocar em cheque os valores ideais de uma sociedade moralista. Dando a entender que por trás das cortinas de veludo, ou sob a grama do jardim, podem existir bizarras verdades incômodas. É este o caso de Veludo Azul, um filme ambíguo, em que uma história paralela(?) pode ser revelada, sob os olhares mais atentos.
Depois da cena introdutória, que já se tornou clássica, somos apresentados a Jeffrey Beaumont, interpretado pelo queridinho do diretor, Kyle MacLachlan. Por conta do estado de saúde de seu pai, Jeffrey retorna à pacata(?) Lumberton, sua cidade natal. A semelhança desta com Twin Peaks, cidade onde se passa a consagrada série homônima do mesmo diretor, não é mera coincidência.
As coisas começam a ficar surtadas quando Jeffrey encontra uma orelha decepada num terreno da cidade, é quando o filme adquire ares de cinema noir, sem deixar o surrealismo característico de Lynch. O que se sucede é a investigação do sequestro da família de uma mulher misteriosa, realizada à margem da lei por Jeffrey e Sandy, a filha do detetive local, papel que ficou com Laura Dern.
Veludo Azul se mostra uma trama envolvente, incrementada com as mais excêntricas figuras Lynchianas, e entre elas está um dos vilões mais emblemáticos e aterrorizantes do cinema, Frank Booth, interpretado magistralmente por Dennis Hopper. Este filme também prova que David Lynch sabe conduzir perfeitamente seus atores, com destaque para o trabalho de Dennis Hoopper, como já foi dito, e Isabella Rosellini como Dorothy Valley, “The Blue Lady”. Temos também Dean Stockwell fazendo o rápido, porém memorável, papel de Ben, numa das cenas mais deliciosamente esquisitas do filme. Laura Dern e Kyle MacLachlan apresentam um desempenho correto e eficiente, mas que por incorporarem personagens relativamente normais, parecem ofuscados pelos seres grotescos, pelo roteiro impecável e pelas cores fortes do universo de Lynch.
Aspectos técnicos como figurino, iluminação e fotografia, colaboram entre si para a construção de cenas em que cada elemento tem sua devida importância na representação de manifestações subconscientes, a tal história paralela filmada nas entrelinhas, da qual falei no começo. No entanto, se as belas cores não lhe hipnotizarem, talvez seja por que este papel esteja reservado à envolvente trilha sonora de Angelo Badalamenti, com quem David Lynch iniciou uma longa parceria. Sua música desempenha um notório papel na ambientação de cada cena, sem a qual o impacto recebido pelo espectador seria reduzido.
Veludo Azul é um filme tenso, recheado de cenas marcantes, que deve ser visto e revisto por quem se considera amante do cinema. Enquanto estiver assistindo, aconselho que não procure se prender tanto à sucessão dos fatos, este se resolvem sozinhos. Mas, preste atenção nas pistas colocadas por Lynch, que permitem a compreensão da subtrama que flui em perfeita sintonia com o que está na superfície.
"It sounds like a good day-dream,
but actually doing it is too weird."
Comentários (0)
Faça login para comentar.
Responder Comentário