A Revolução Bolchevique de Outubro mudou muitas coisas, Maio de 1968 na França também mudou, e o cinema de Godard prova isso, principalmente na sua fase política, onde mistura a Revolução Chinesa de Mao com a Comuna de Paris, Leninistas com Maio de 68 e assim por diante. Um misto revolucionário que gerou o que gerou para o mundo do cinema e também para a sociedade.
O grupo Dziga Vertov, formado por cineastas militantes, não durou muito tempo e assinou menos do que 15 filmes, mas a homenagem ao cineasta soviético era póstuma, pois este já se encontrava falecido desde 1954, quando morreram, em Moscou. Uma citação de nome com o simbolismo de provocação, de desconstrução do que já era comum, do que era anti-revolucionário. Entre um dos integrantes do grupo, encontrava-se Jean-Henri Roger, talvez o mais famoso e reconhecido por seu trabalho depois de Godard e Gorin, mas isso não tinha muita importância em um grupo que negava de forma quase completa a autoria do diretor. Anos depois, um dos parceiros do Grupo, Jean-Pierre Gorin, viria a criticar o cinema de Godard após o movimento.
Nesta afronta as hierarquias e no fervor do momento revolucionário surgiu Ventos do Leste (Le Vent de’Est, 1970), um filme deveras intelectual, que intimida aqueles acostumados ao cinema imperialista dos Estados Unidos, alienante e burguês (que apesar de toda a crítica feita pelos franceses na época, ainda vai bem, obrigado.. e já o cinema revolucionário e provocativo do Terceiro Mundo..). Pois não é fácil acompanhar Ventos do Leste, sua narrativa é sarcástica, descontraída, quebrada e revolucionária. Há uma voz feminina em off a todo momento, fazendo uma espécie de “geral” sobre a história social do mundo: cita-se o Brasil (que na época ainda vivia sobre as sombras dos generais de 1964), o Vietnã, a Ioguslávia, a União Soviética e por aí vai.. Mas se trata-se de um filme discursivo, onde a narração chega a parecer um livro didático ou um manifesto político, e talvez seja ambas as coisas, também é um filme de símbolos, onde a encenação tem uma importância tanto quanto a fala. Vigotsky adoraria as relações entre fala, pensamento e ação de um filme assim.
Apesar das participações de certas celebridades da época, isto é, “celebridades”, já que se trata de um filme de negações, temos o italiano Gian Maria Volontè, a então esposa de Godard, Anne Wiazemsky e até uma pequena participação do cineasta baiano Glauber Rocha. Houveram conflitos. Reza a lenda que o produtor Gianni Barcelloni teria chorado ao assistir os primeiros minutos do filme, depois de ter financiado Godard para criar um western ao estilo estado-unidense e receber um produto completamente anticapitalista, anti-cinema e anti-imperialista. A verdade é que não “só” por isso Jean-Luc Godard fora ousado, o cineasta ainda fez questão de criticar o estilo dos Estados Unidos de fazer e vender cinema, há um ator vestido de indígena do oeste americano lendo O Capital de Karl Marx e diversos outros elementos de um western, mas em cenas completamente desconexas do que se costuma vender como um filme de sucesso. Há críticas diretas ao Oscar e sua suposta “realidade”, não à toa e por qualquer outro problema, Godard nunca chegou perto de ganhar uma estatueta. O que para ele deve ser uma vantagem. Ao menos se o seu discurso condiz com a sua vida.
Mas fora tudo isso, que é uma estória intrigante e até mesmo engraçada, Ventos do Leste é um ótimo filme e produto de um contexto histórico a ser entendido e estudado. Por que ventos do leste? Obviamente por que, fora Cuba, o mundo vermelho estava do outro lado do planeta, como Rússia, Vietnã, Hungria, China e por aí vai. Então é mais ou menos um filme sobre: O que nos traz os ventos do leste? O que podemos aprender com os ventos? O que podem eles ensinar ao terceiro mundo? (De forma mais ou menos semelhante, a cineasta bélgica Chantal Akerman utilizou o cinema para o mesmo problema em um contexto bem diferente e mais próximo da realidade do bloco socialista, em Do Leste (D'Est, 1993)) Qual a adaptação teórica utilizada por lá? Não é um filme fácil, de forma alguma. Em uma dessas tentativas sarcásticas de chegar a uma resposta, temos uma série de etapas de onde haviam chegado as revoluções comunistas pelo mundo, explicado de forma quase didática, em um quadro, era assim: (1) a greve, (2) a delegação, (3) minorias agitadas, (4) Assembleia Geral, (5) a repressão, (6) a greve ativa e (a parte mais engraçada e crítica) o (7) Estado Policial – este que pode vir tanto da repressão de direita quando do terror vermelho, mas que sempre levou a um caminho que conhecemos bem.
Houve também uma briga teórica entre Godard e Glauber Rocha, o brasileiro achava que este era apenas um francês que retratava de forma errônea e distante o terceiro mundo, cercado de franceses burgueses e babacas, que além disso, estaria mais preocupado em destruir do que construir e nem parava para pensar o quanto seria importante pensar na parte técnica e comercial de um filme. Parece que Glauber queria dizer: “Você quer ganhar o povo e o terceiro mundo afastando-os do cinema? Ora, por favor!”. A cena em que Glauber aparece, como um poste, um Jesus Cristo, um espantalho ou até mesmo como um placa de trânsito humana, evidencia bastante essa crítica do brasileiro ao próprio filme. Não por acaso, logo adiante no Grupo Dziga, o filme Vladimir et Rosa (1971) já colocaria atores negros e uma certa aproximação com movimentos negros e países africanos, por exemplo.
Oficialmente tendo dirigido 5 longas, o Grupo Dziga Vertov buscou criticar através da esquerda o próprio cinema de esquerda, que utilizava-se de narrativas e edições semelhantes ao do cinema burguês. Ventos do Leste é experimentalista até o osso, mas nem sempre sabe cadenciar tantas inovações e debates políticos sem deixar de ser um bom filme, isto é, menos redundante. Aliás, muitos críticos cercaram o cinema político de Gogard por ser “chato” na visão destes. A questão é que Ventos do Leste é objetivo nesse sentido, com sacadas bem geniais (como a distribuição dos livros aos "leigos", a chegada do Estado de repressão e a incrível cena da foice e do martelo quase que decepando por várias vezes uma aristocrata que lê um romance burguês em meio às árvores), tornando-o um filme melhor. Além disso, como filme de esquerda, é aqui que o Grupo conseguiu de forma muito mais eficaz de não tratar o seu público como besta (uma crítica do próprio filme para outros filmes de esquerda), nem sempre valorizando tudo o que é narrado (editando antes que termine a voz que fala, como forma de mostrar que não há verdades perenes), até mesmo ensinando a como ser um guerrilheiro de vanguarda revolucionária (como fazer armas e bombas de forma bem didática!!!) e fazendo de fato um questionamento para o artista e para o telespectador.
Mas se Godard queria revolucionar o cinema destruindo-o, Glauber pensava diferente em questão ao Brasil, diferentemente do cinema francês: “Eu não concordo. Vocês, na França, na Itália, podem destruí-lo. Mas nós ainda o estamos construindo em todos os níveis, na linguagem, na estética, na técnica[…] Nós não temos o que destruir, mas construir. Cinemas, Casas, Estradas, Escolas etc”. Como se vê, as diferenças não apenas entre mundo rico e mundo pobre se encontravam no cinema, mas os próprios dilemas do marxismo mundial e a sua revolução. Enquanto uns buscavam desconstrução e negação, outros (como o Brasil) nem tinham construído ainda para destruir, estavam na pré-história do cinema dito de vanguarda. Os problemas do “terceiro mundismo” pegavam fogo não apenas dentro da tela, mas também fora dela, nos bastidores da geopolítica. E estes ainda fervem.
E não, apesar de tudo o que foi dito, este exemplar cinematográfico não era um produto soviético, comprado pela URSS, em uma segunda parte, como que uma crítica aos primeiros minutos assistidos, a voz feminina agora põem em cheque tudo o que fora dito, Nixon Paramount ou Brejnev Mosfilm (os dois polos políticos do mundo na produção de cinema), qual a diferença? Pondera. São ambos opressores, de um lado e de outro, moldando a arte para os seus interesses.
Pois bem, filmado em uma paisagem natural no interior da Itália, retratando questões políticas de qualquer canto do mundo, o western godardiano acabou se misturando ao cinema político da época. Ainda que tenha ficado esquecido de certa forma, ao menos quando se trata de fora do mundo acadêmico, não alcançando novas gerações, a não ser cinéfilos mais precisos em Godard (e olhe lá), os Ventos do Leste nunca pararam de nos fazer questionar e tampouco soa datado, apesar de já ter os seus quase 50 anos. E apesar de internamente polêmico, inútil não o fora, e descartável não o é, é sim um “cinemão”, feito para agradar não só aos olhos, mas a mente em primeiro lugar.
Aí fica a critério se um Oscar pelo conjunto da obra vale alguma coisa.
Já lhe expliquei que a minha intenção foi em relacionar por obras separadas ou por trabalhos feitos em época, muitas revistas e periódicos por exemplo não citam que ele tenha ganho um Oscar, por não consideraram o honorário da mesma forma que um de "Melhor Diretor", por exemplo. Ou apenas uma lembrança. Eu entendo a sua colocação e a confusão, mas não é uma questão de pesquisa e sim de critério, como eu pontuei. Você sequer separa as frases dos pontos e decide onde ou não vai usar pontuação e me manda pesquisar mais para escrever? Aí não.
Não considero que Godard tenha Oscar, ponto. Ego ou não ego.
Desculpa intrometer, mas vocês não acham que estão fazendo uma tempestade em copo d'água?