Há alguns dias, almoçando em um lugar qualquer, citei para um cara: "O que você acha daquele filme do Fincher, depois de Seven?", para a minha surpresa - ele, um grande fã do diretor - Vidas em Jogo era totalmente desconhecido, sentiu-se estranho o rapaz. O intrigante é que eu, também um admirador de David Fincher, não havia assistido o filme. Então passei a me perguntar, que tipo de geração admiradora de um cineasta desconhece tanto algum, em específico, de seus filmes? Visto que ele é o tipo de diretor que - por dedicação ao trabalho - grava pouco e consequentemente, tem poucos filmes.
O que faria Vidas em Jogo (The Game, 1997) ficar para atrás?
Para começar, o que acontece na vida de Nicholas Van Orton (Michael Douglas) é totalmente ridículo, ainda que analisemos os menores detalhes. Um irmão drogado que foi separado há um longo tempo por questões morais e sociais óbvias, um pai assassinado com algum motivo qualquer para dar alguma empatia entre espectador e personagem, e talvez, certa dramaticidade ao roteiro, concluímos que a velha sensação pesada nas costas pelo passado é um bom miolo de filme corriqueiro em Hollywood. Os pequenos flashes do passado de Nicholas, gravados em um tipo de Super-8, delatam a incoerência de tudo.
Então, o mesmo irmão (Conrad, interpretado por Sean Penn) oferece um presente no aniversário de 48 anos de Nicholas, na minha opinião duas pantufas do Mickey seriam melhores, um simples endereço para que ele vá em uma certa empresa e comece "um jogo", o que parecia ser um simples divertimento (algo como prostitutas ou cocaína, norte-americanos milionários entendem disso, sabe?) acaba por tornar-se um típico jogo de gato e rato a qual Fincher parece homenagear um de seus cineastas favoritos, Alfred Hitchcock. É aí que o filme falha miseravelmente, apesar de seu suspense ser inicialmente bem construído, ele nunca é convincente.
No que se trata da vida humana real, é impressionante como Fincher - o diretor de Seven e Zodíaco - foi cagão, assassinos de carne e osso não discursam palavras intimadoras por tevês grampeadas, eles são mais cruéis do que isso; no que se trata de cinema, The Game é fraco, tudo é muito fechado e se encaixa perfeitamente. Como por exemplo, convencer um mundo de amigos que deve ter um grande banqueiro a entrarem em uma brincadeira dessas? Parece que não só o roteiro de The Game é insensato, mas os amigos de Nicholas! Ora, pense em fazer isso com um amigo seu, quantas pessoas que você ama poderiam sair feridas? E por qual motivo? Uma simples festa de aniversário. Se a desculpa é a vida vazia de um milionário qualquer, um tipo de jogo desses só a torna mais ordinária. É de doer quando Nicholas confessa a sua esposa que sempre a tratou mal, ou sempre foi indiferente e que consequentemente, entendia os motivos da mesma tê-lo deixado, Buñuel deve estar morrendo de inveja em algum lugar do espaço-tempo de tamanha surrealidade.
Mas o pior deve-se a personagem de Deborah Kara Unger (Christine), ela é nada mais do que a típica fêmea exposta em tela para fazer os tarados de plantão babarem. Que Deborah Kara Unger conquistou o coração dos cinéfilos desde seu trabalho com Cronenberg em Crash, não deve ser novidade. Mas é simplesmente vergonhoso comparar ambos papéis, a profundidade ou até mesmo o interesse em que mantemos em Christine é zero, diferente da burguesa entediada e muito bem desconstruída por Cronenberg em Crash. Logo que ela aparece, sabemos que Christine só tem uma razão de "ser": o par romântico perfeito. Em uma cena num elevador, ela não quer subir em cima do mesmo por estar sem calcinha, logo depois, pendurada nos metais de um prédio, ela se preocuparia não com a sua provável queda e morte, mas com o fato de um chinês estar cuidando sua falta de "proteções" na região. Aliás, David Fincher demorou bastante parar conseguir dar profundidade a personagens femininas em seus filmes.
Muitos acusam o final de estragar The Game, o que de certa forma é uma mentira, o final apenas prova a falta de estrutura e entonação em algo que já não vinha de toda forma dando certo. O que escrevo aqui não se classifica como um ódio a David Fincher, mas um repúdio a uma estranha forma de defendê-lo, um filme deve ter seus méritos reconhecidos ou suas falhas criticadas indiferente ao nome do diretor que aparece nos créditos, para então depois, exaltá-lo ou não. Até mesmo ele errou. E o roteiro metralhado de The Game serve como prova.
Cara seu texto está muito bom, bastante coerente em seus argumentos, mas eu gosto do filme, tanto que dei nota 7,5 pra ele. Dos do Fincher, ainda considero "O Quarto do Pânico" o seu pior, nem considero muito "ALI3N" pelo fato de ser sabido que os produtores mexeram o bedelho até não poder mais e o resto de sua filmografia é tudo obra-prima. Esse aqui não vou poder defende-lo muito pois tem muito tempo que o assisti, mas lembro que o filme possui alguns requisitos muito bons como a fotografia por exemplo, muito linda e a edição/ montagem e direção de arte também estão excelentes. E sobre as atuações o Sean Penn está muito bem e a Deborah Kara Unger está deliciosa d+ da conta. Michael Douglas é Michael Douglas, canastrão como sempre, mas de toda forma cara parabéns o texto está muito bom...!
A fotografia de Fincher é sempre a fotografia de Fincher, às vezes eu revejo seus filmes apenas por causa disso.