Impossível falar de Whisky e querer equipará-lo ou compará-lo a cinematografias que criam formas para o mundo seguir. Mesmo com a consciência de que delas ele bebeu muito.
Pelo contrário, Whisky tenta falar por si, e exprimir uma presença da inexistência de ser uruguaio. E é assim, na inóspita presença de seus personagens sempre calados, de humor contido, e que trazem na poeira, no velho de suas almas, uma história não contada. Essa é a história de milhares de uruguaios, pois pra quem não sabe, o Uruguai enfrentou uma crise forte na década de 90 perdendo grande parte de sua população jovem para países como Brasil, Argentina, EUA e Espanha. O Uruguai é velho, e sua população ainda traz vestígios desta crise que permeia até os dias de hoje.
O filme realmente me “pegou”. Antes tarde do que nunca, depois de ter sido indicado diversas vezes por amigos uruguaios, argentinos e por um professor peruano querido, um dos poetas mais reconhecidos em seu país, que um dia me disse que essa obra tinha alta relevância em sua vida. Consegui assisti-lo e me incomodar.
Aliás, a obra de Juan Pablo Rebella e Pablo Stoll (o primeiro falecido) me remeteu a um primeiro exercício de fotografia, ainda nos primeiros semestres da universidade em que a cena recriada escolhida, era do filme “A erva do rato” de Júlio Bressane.
A obra de Bressane me instigava, a atmosfera e a temporalidade criada por ele, era o que tornavam aqueles personagens reais, ou até mesmo universais, mas ainda sim alheios do mundo real.
Whisky trabalha assim, enclausura seus personagens em quatro paredes, abandona seu espectador lá, e só volta para perguntar se ele conseguiu dormir após o filme.
Goddard já fazia isso, Bressane já o fez e o cenário paulistano vive tentando. Porém, a obra no qual nos atentamos aqui, o faz diferente, com menos filosofia como os demais citados.
Nos pegamos fazendo questionamentos a todo o tempo: Será que Jacobo não vê que Marta é a chave para sua felicidade?- Ou, por quê Jacobo não tenta uma outra vida?
Enfim, aqui a filosofia é deixada de lado, a realidade é que importa, e no filme esta realidade é mecanicista, conformada. Não importa o quanto questionamos ou reivindicamos um ponto de virada, o filme não nos trará. E não nos trará porque a realidade é essa para milhares de uruguaios, e talvez um filme como este reivindique uma realidade na tela, coisa difícil de se fazer.
Uma história híbrida, onde não há herói e onde não há final, e muito menos feliz. Um jeito uruguaio também de contar história, que me lembra muito Norberto apenas tarde (2010) de Daniel Hendler, que nos mostra um personagem apático, baixa estima, que tenta se encontrar no mundo real, mas acaba sozinho num final indefinido.
Whisky é sincero e minimalista, porque me desculpem os que o acham sutil, de sutil ele não tem nada!
Jacobo um velho, dono de uma fábrica antiga de meias, vive sua rotina diariamente meio as suas máquinas obsoletas de tecer, porém italianas.
Sátira simples essa ao eurocentrismo encapuzado por uruguaios e argentinos por décadas, porque por mais novidade no mercado em máquinas, aquelas antigas com problemas, ainda eram italianas.
Jacobo tem como empregada Marta, simples, calada e conformada com seu trabalho, conhece todas as rotinas do lugar.
No entanto, Jacobo recentemente perdeu sua mãe, grande pilar da fábrica, e receberá como visita seu irmão que há vintes anos não o via, e que reside no Brasil. Jacobo de forma receosa pede a Marta que finja ser casada com ele enquanto seu irmão esteja presente. A partir daí, a convivência dos três traz a tona, o quão opressor pode ser um irmão que trocou o Uruguai pelo Brasil em busca de dinheiro e externalizando o jeitinho brasileiro de lucrar, lucrar e lucrar, ou como a tradição pode te aprisionar, e o não desapego da história também (pois Jacobo não abriria mão de suas máquinas antigas, assim como da história de sua Madre, ou seria Pátria Madre?).
Enfim, já Marta, ela nos traz a alegria de que tudo pode mudar, por mais que não mude. Ela traz uma voz de esperança, de sonho e da infância. Pois com seus mais de cinquenta anos, ingênua, Marta ainda brinca de falar as palavras e frases ao contrário, como se este simples gesto lhe deixasse alheia de todo o pecado, ao compactuar da mesma atmosfera daqueles dois irmãos.
Marta marca aquelas duas vidas e frisa sua presença nas fotografias, daquela família que fingia um sorriso ao dizer Whisky e nos leva junto.
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