Wolverine: Imortal (2013) - Review
Imortalidade cinematográfica
A história recente do Wolverine nos cinemas é muito semelhante à sua trajetória fora das telas, mais precisamente nos labirintos de planejamentos e decisões executivas da 20th Century Fox em Hollywood. O último filme solo do mutante, "X-Men Origens: Wolverine" (X-Men Origins: Wolverine, 2009), foi a maior prova de que um sucesso razoável de bilheteria não é indicativo absoluto da qualidade de um filme, fracassando tanto na opinião do público quanto da crítica. O filme de Gavin Hood deveria ter sido o primeiro de uma série de longas sobre as origens dos principais X-Men, mas acabou enterrando de vez estes planos da Fox e obrigou o estúdio a colocar o herói na geladeira para reparar o dano à sua imagem. "Wolverine: Imortal" (2013) é a prova de que o exílio cinematográfico fez bem para o personagem, dando tempo para que os executivos do estúdio repensassem a estratégia de seus filmes e corrigissem os erros anteriores. Ao menos a maioria.
O paralelo do mundo real com a ficção fica logo evidente na trama comandada pelo diretor James Mangold, após um breve prólogo que mostra Wolverine (Hugh Jackman) salvando o soldado japonês Yashida (Ken Yamamura) de ser vaporizado por uma bomba atômica durante a Segunda Guerra. Nos tempos atuais, Logan vive como um ermitão nas florestas do Yukon, tendo se exilado e abandonado o nome Wolverine para renovar sua existência centenária. Quando caçadores cruéis o levam à um novo contato com a civilização em uma briga de bar, o mutante conhece a jovem Yukio (Rila Fukushima), que traz um convite de seu velho amigo Yashida (Hal Yamanouchi) para que este possa se despedir em Tokyo na iminência de sua morte. Porém a intenção oculta do milionário Yashida é adquirir o poder da cura de Logan à fim de se tornar imortal, em troca da supostamente almejada capacidade de morrer, que traria paz de espírito à Logan. O mutante logo se vê em meio à conflitos pessoais e uma disputa política na família Yashida, envolvendo Mariko (Tao Okamoto) e Shingen (Hiroyuki Sanada), a neta e o filho do velho milionário.
Por esta sinopse, fica evidente que o roteiro assinado por Mark Bomback (Duro de Matar 4.0, 2007) e Scott Frank (Minority Report - A Nova Lei) adentra um território psicológico que foi outrora considerado denso demais para um blockbuster. A dupla adapta em linhas gerais o famoso arco da HQ "Eu, Wolverine", modificando acontecimentos importantes em prol de uma maior contextualização do filme na cronologia dos X-Men anteriores, algo capaz de desagradar aos fãs do mutante. No entanto, foi mantido um aspecto central da obra de Chris Claremont e Frank Miller: o conflito interno do herói, pesando os prós e os contras de sua imortalidade. A possibilidade de trocar seus poderes por uma vida normal leva Logan à considerar todos os motivos que o mantém seguindo em frente, contrapostos pela expectativa de reencontrar o seu grande amor Jean Grey (Famke Janssen) após a morte. Tudo isso enquanto tem que lidar com a supressão de seu poder de cura imposta por forças malignas ocultas, que o deixa vulnerável pela primeira vez em sua existência, tanto fisicamente quanto espiritualmente.
Desta forma, o script faz a opção correta de ignorar "Origens" completamente, estabelecendo uma ligação direta com "X-Men 3: O Confronto Final" (X-Men 3: The Last Stand, 2006), após Wolverine ter sido obrigado à matar Jean para deter a incontrolável ameaça da Fênix. O remorso desta lembrança assombra o herói até mesmo em seu isolamento e alimenta seu desânimo com a vida, mas ao contrário do que possa parecer, a obra de Tom Mangold não tem o peso de um drama intenso. Ao invés disso, o diretor permite que o roteiro se desenvolva sem jamais abandonar as cenas de ação esperadas em um filme de super herói (o que motivou críticas à "Homem de Ferro 3", por exempo), produzidas com competência e emolduradas por fotografia e arte exóticas, próprias do novo cenário. A transição de Wolverine dos EUA para o Japão ocorre em circunstâncias diversas dos quadrinhos, mas é feita com sutileza e coerência, abrindo um leque de opções visuais que são bem utilizadas pelo cineasta.
Portanto é impossível não destacar a eletrizante luta de facas entre o mutante e um membro da Yakuza no teto de um trem-bala à toda velocidade, bem como o combate com espadas de Logan e Shingen (em forte interpretação de Sanada). Esta última é a cena mais bela do longa, justamente por incorporar a estética do Cinema japonês em sua riqueza de luz e sombra, fazendo também referência ao estilo de luta Niten ichi com duas katanas, criado pelo lendário samurai Musashi. O bushido, código de honra dos antigos guerreiros japoneses, também é um tema nipônico abordado por Mangold, guiando Wolverine até certo ponto ao mesmo tempo que orienta cegamente o personagem do arqueiro japonês Harada (Will Yun Lee) à ponto de suprimir até mesmo seus valores pessoais.
E aqui residem os maiores problemas do filme, quando o roteiro começa a incorporar mais elementos do que pode efetivamente desenvolver. Com tanta coisa para abordar, Tom Mangold não tem outra escolha senão tocar apenas na superfície rasa dos argumentos para preservar o ritmo de sua obra. O resultado são pontas soltas e personagens confusos, que prejudicam severamente a coerência estabelecida nos dois primeiros atos. Um exemplo é o já mencionado arqueiro Harada, que tem uma dinâmica interessante com a mutante Víbora, apesar desta ser interpretada de forma artificial pela russa Svetlana Khodchenkova, que tenta imprimir um erotismo inútil à personagem. Ambos integram um misterioso clã ninja de objetivos ocultos, com Harada representando a valorização da honra e do respeito ao seu mestre, enquanto a Víbora simboliza o pragmatismo ocidental inescrupuloso. O japonês sabe que a loira não é confiável por não estar vinculada à nenhum valor moral, mas por isso a considera necessária aos planos do clã, contrariando seu instinto para atingir o objetivo final.
Este conflito de ocidente x oriente instiga e poderia ter dado maior substância ao filme, mas ao invés disso estes personagens são condenados à um limbo onde não é possível definir suas naturezas. Evitar o maniqueísmo simplório é algo positivo, desde que haja uma base mínima onde os papéis possam crescer, o que não existe aqui por simples falta de tempo. O roteiro perde muito com o destaque exagerado na relação entre Logan e a falecida Jean, e isto por sua vez também diminui a importância de um relacionamento amoroso do herói com uma nova personagem, este sim necessário para movimentar a trama. No fim das contas, o impacto destes acontecimentos na vida do mutante não são claros, quase como se o filme não tivesse acontecido. Talvez isto se dê por conta de uma ingerência do estúdio na fase criativa, à fim de assegurar que o longa mantivesse uma conexão com os filmes anteriores, de olho na solidificação de uma nova franquia. Mas esta falta de coragem em romper com a trilogia antiga dos X-Men impede que o Wolverine se livre totalmente do que não deu certo anteriormente, e poda suas asas antes que o longa alce vôos mais altos por conta própria.
Quando o terceiro ato abandona de vez qualquer tentativa de amarrar suas pontas soltas, fica clara a tentativa de cegar e ensurdecer o público com enormes cenas de ação. A opção por uma conclusão baseada no mero gigantismo visual joga para o alto a verossimilhança interna (espada comum em chamas?) e a possibilidade de fazer com que estes acontecimentos fiquem de fato marcados na alma do herói. Portanto, sua jornada de auto-conhecimento é interrompida antes que possamos ver a fundição de seus instintos selvagens à conduta de um verdadeiro samurai. Felizmente, James Mangold segura as rédeas de sua obra e mantém um equilíbrio entre ação e história na maior parte do tempo, dando ao filme uma personalidade estética que o coloca em um patamar superior ao de muitos blockbusters do mesmo período. O saldo positivo também é devido à Hugh Jackman, que incorpora perfeitamente a personalidade bruta e desvirtuada de Wolverine, sublinhada por valores morais que nem sempre transparecem simplesmente por que o herói centenário já está cansado de viver e lutar, embora Jackman jamais seja presa da apatia.
Dizer que "Wolverine: Imortal" é superior ao seu antecessor não significa muito, mas compará-lo às outras obras da carreira de Mangold, sim. O cineasta assina filmes como "Johnny & June" (Walk the Line, 2005) e o espetacular remake do faroeste "Os Indomáveis" (3:10 to Yuma, 2007), e embora "Imortal" não seja a estrela mais brilhante em sua filmografia, certamente não é uma obra a ser desprezada totalmente. Por si só, este episódio diverte mas não gera muita repercussão na história de Wolverine, podendo ser encarado como um filler de 100 milhões de dólares. Porém os fillers costumam ser os capítulos mais importantes no planejamento amplo de qualquer série, e este tem função dupla de reestabelecer a imagem do mutante e preparar seu retorno à equipe principal no aguardado "X-Men: Dias de um Futuro Esquecido" (Days of Future Past). Sai ganhando a Fox, que pode voltar a utilizar um de seus personagens mais rentáveis, e o público em busca de um entretenimento casual, disposto a fechar os olhos para um desperdício de potencial.
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