Se eu tive o grande prazer de conhecer “Chouchou”, foi devido a um vago comentário de um grande amigo. Deu no que deu: “Chouchou” me conquistou pela delicadeza e simplicidade, já apresentando aqui as características que são a essência do filme. Um longa-metragem totalmente despretensioso, por mais difícil que seja considerar essa uma definição pertinente a qualquer obra que aborde temas tão sérios. Explico: “Chouchou” aborda a questão da homossexualidade (que é séria por, incrivelmente, ainda ser tabu) e do travesti (que vive a ser encarado em nossa sociedade com base em uma série de estereótipos), permitindo-se à ousadia de levar tudo isso para dentro da igreja católica! Isso, certamente, não lhe parece pouco se você sabe que a Igreja - com todo o respeito que lhe é devido -, de um modo geral, concebe ainda a homossexualidade como perversão, sendo o seu praticante condenável ao fogo do inferno. Equivoca-se, porém, o leitor que, não havendo asssistido o filme, lê o presente comentário e faz de "Chouchou' a idéia de um filme polêmico. Esta delicada obra de Merzak Allouache, adaptada da peça teatral de Gad Elmaleh (que interpretou o protagonista em ambas ocasiões), em momento algum polemiza o tema. Polêmicas são as discussões que o filme sugere.
"Chouchou' é para mim o melhor exemplar da minha concepção pessoal de "filme libertário" na medida em que apresenta situações inverossímeis no contexto da sociedade atual (as mencionarei logo a diante) de modo a imediatamente ocasionar no telespectador a reflexão acerca da representação que a relação homossexual teria, na vida real, nos contextos apresentados pelo filme (a família, a igreja, os amigos). Eu mencionei situações inverossímeis. Pois bem: "Chouchou" não só leva a questão da homossexualidade para dentro de Igreja, como eu disse, como também para o contexto familiar, porém de forma tranquila, livre de dramas. O fato de Stanislas (Alain Chabat) levar Xuxu (Gad Elmaleh) para conhecer seus pais apresenta-se como algo absolutamente natural, tanto que, quando ambos estão a caminho do restaurante onde os pais de Stanislas mantêm-se à espera, a preocupação de Xuxu não é com a possibilidade de não ser aceito pelos futuros sogros por ser homossexual etc. e tal. Sua preocupação é tão somente com a possibilidade de não agradar como a namorada de Stanislas. Coisa que, aliás, não acontece. A empatia entre Xuxu e os sogros é imediata. Fico pensando nos jovens da minha geração, que tantos dramas viveram ou vivem no tocante ao posicionamento de suas famílias a respeito de sua orientação sexual.
Ainda em se tratando das tais situações, temos também a simática Dra. Nicole Milovavovich (Catherine Frot), que, ao meu ver, não é psicoterapeuta por acaso. O que temos aí é uma metáfora para a urgência de compreensão da questão da homossexualidade. O psicoterapeuta, espera-se, possui uma mente aberta para assuntos como esse, dado o seu conhecimento teórico sobre o mesmo. Interessante observar que no único momento em que Xuxu fala, com seriedade, sobre a sua orientação sexual para a Dra. Nicole, essa ópta por não estender o assunto, apenas autorizando Xuxu a, a partir do dia seguinte, apresentar-se em sua casa como a sua secretária, Srta. Xuxu, o que nosso protagonista faz de bom grado. E temos,mais uma vez, o filme tentando nos passar a sua mensagem libertária: "Este não é um assunto ao qual se possa polemizar. Não há nada a discutir sobre, pois se trata de algo comum".
E, finalmente, temos a atuação de Claude Brasseur como o Padre Léon, que, em nenhum momento, dirá "sim' ou "não' à forma de Xuxu viver a vida, apenas acolhendo-o enquanto ser humano que necessita de amparo. É esse o papel da Igreja, não? Em uma bela cena em que nosso protagonista procura o Pe. Léon para se confessar, apresentando o seu desejo de se casar com o seu amado naquela igreja, tudo o que o padre faz é chorar após ouvir atentamente, sendo essa, talvez, a expressão de sua emoção diante da manifestação de desejos tão singelos e dignos por parte de Xuxu... singelos, porém impassíveis de viabilização no âmbito da Igreja como um todo.
Enfim, nada em "Chouchou" está alí à toa. Nem mesmo o paciente maluco de Dra. Nicole, que cisma em perseguir Xuxu. Somente o telespectador atento, no entanto, pode se dar conta disso, tão simples e hingênuo o filme aparenta ser. Aliás, o diretor ópta por manter o clima de peça teatral, o que possibilita a naturalidade e comicidade no tratamento do tema central. É possível que as minhas considerações dêem a entender que eu considero "Chouchou" uma obra-prima do cinema. Por Deus, não é. Longe disso, aliás. Ele é digno de tais considerações tão somente por ser simples, porém inteligente e útil. Aliás, o filme tem lá os seus defeitos, como o comportamento e a falta de simpatia do protagonista em diversas situações. De um modo geral, porém, Gad Elmaleh defende bem o seu Xuxu, cheio de trejeitos e manias cativantes. Xuxu é isso: um filme sem polêmica e sem tragédia que apresenta, sem superficialidade, o sonhado comportamento da sociedade em relação à diversidade sexual.
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