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Críticas

Cineplayers

Os heróis de uma nação carente.

3,0
Os EUA são uma nação cujo patriotismo exacerbado sempre procurou por figuras heroicas, dignas, revolucionárias, que fizeram muito pelo seu povo ou contribuíram para a proteção e avanço do país. O cinema americano reflete essa necessidade de heróis em tempos de turbulência, caráter em tempos de crise moral, pioneirismo em tempos de retrocesso, vide o apelo ufanista de um Steven Spielberg em The Post: A Guerra Secreta (The Post, 2017) ou de um Clint Eastwood em J. Edgar (idem, 2011) e Sniper Americano (American Sniper, 2014), só para citar exemplos mais recentes. Especialmente após a honra da nação ter sido tão maculada com o atentado terrorista de 11 de Setembro de 2001, na cidade de Nova York, os EUA parecem nunca ter se recuperado por completo e até que demorou para sair um filme sobre o primeiro contra-ataque americano em terras afegãs contra o Al-Qaeda. Na era de trevas do presidente Donald Trump, nada mais previsível do que voltar a evocar o episódio com 12 Heróis (12 Strong, 2018), de Nicolai Fuglsig. 

Baseado nos relatos do chefe de operações militares Mitch Nelson, 12 Heróis conta a história real desse pequeno grupo de soldados infiltrados no Afeganistão para um combate com o Talibã. A operação foi marcada não somente pelo número reduzido de militares, mas pela parceria deles com o general Doslum, da Aliança do Norte, e pelo uso de cavalos no combate a tanques de guerra do Al-Qaeda. O feito impressionou principalmente pela vitória deles diante de tamanha desvantagem, ressaltando que nenhum dos 12 perdeu a vida. Por ser uma operação de caráter secreto do Governo, esses soldados permaneceram anônimos por muitos anos e a batalha demorou a ser divulgada pela mídia, mas hoje há uma estátua de um militar montado em um cavalo no Memorial às vitimas do atentado de 11 de Setembro, construído no local onde antes ficavam as Torres Gêmeas. 

12 Heróis poderia fazer uma interessante análise sobre o desespero e abatimento do Governo americano na época do ataque, mas prefere posar de vítima o tempo todo e apostar em frases de efeito ufanista e personagens unidimensionais que volta e meia soltam expressões de patriotismo, honra e virtude para comover a plateia. Jamais humanos, esses personagens se mostram protótipos de super-heróis sacrificiais e abnegados, capazes de abrir mão da própria família na luta pela honra de sua nação amada. Ações mais do que obrigatórias para qualquer militar são tratadas como atitudes voluntárias de altruísmo, em especial no caso do comandante Nelson, que não tinha nenhuma experiência em campo de batalha e preferiu abrir mão de seu cargo burocrático para liderar o esquadrão suicida, tudo em nome de seus mais nobres sentimentos de dever para com o país. 

Para completar o quadro de extrema afetação patriota, a escalação do elenco conta com a diversidade calculada e politicamente correta que hoje virou regra em Hollywood, com um grupo de 12 atores de etnias, raças, idades e tipos físicos específicos, se blindando contra qualquer risco de boicote e tratando essa diversidade da forma mais maniqueísta e forçada possível. Tudo em 12 Heróis é tão artificial, desde seu discurso até as tentativas de drama, que não há representatividade capaz compensar ou conferir qualquer valor ao todo. Em especial nas sequências com o general Doslum, e seu papel claro de apresentar o contraponto à visão americana do combate, há um tom de condescendência e pacifismo que simplesmente não se encaixa e trai toda a urgência e seriedade da situação. 

Nicolai Fuglsig é um diretor de extremas limitações, não sabendo captar o belo contraste que os cavalos e tanques de guerra poderiam oferecer nas cenas de batalhas, e picotando tudo com uma montagem grosseira e uma câmera perdida que não sabe quando parar. Os atores se esforçam e é claro que todos possuem mais carisma que o protagonista robótico e tipificado de Chris Hemsworth, mas não há espaço para autenticidade ou composição de personagens – todos estão sempre ocupados demais proclamando discursos prontos sobre o horror da guerra, explicando didaticamente situações óbvias para situar o espectador ou forçando a barra em algum momento mais emocional. 

A visão parcial da guerra no Oriente e da participação dos EUA nesse cenário, ocultando qualquer culpa dos americanos e os colocando sempre como vítimas em busca da defesa da honra, termina por fazer do filme o mais pobre tipo de propaganda ufanista para suprir a carência de heróis de carne e osso do público. Não há um verdadeiro contrapeso e momento de reflexão e mea culpa como um diretor de talento como o já citado Clint Eastwood é capaz de conferir, não há aprofundamento na complexidade envolvida nesses conflitos – há somente a exaltação cega e pueril de uma vitória que por si só jamais compensará qualquer perda ou abalo na confiança de um povo que nunca foi acostumando a perder. 

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