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Críticas

Cineplayers

Uma ode à violência.

8,0

Com mais de oitenta títulos no currículo, Takashi Miike já se firmou como um dos mais importantes cineastas japoneses da atualidade, e boa parte dessa fama vem da sua ousadia de passear por inúmeros gêneros e tradições do cinema japonês sem temer usar a violência explícita como força motora para conduzir suas narrativas. Isso se dá principalmente porque a violência é um elemento-chave em seu cinema, e nunca é usada à toa, com a intenção apenas de chocar ou esconder furos de roteiro. Tal como acontece no cinema de Sam Peckinpah, ou mesmo no de Quentin Tarantino, Miike faz do uso do sangue e da brutalidade um caminho para atingir o seu clímax e deixar claras suas mensagens.

Emendando um trabalho atrás do outro há um bom tempo, Miike ultimamente teve poucas oportunidades de realizar um filme de proporções mais épicas, por assim dizer. Quase sem tempo de se focar em um único projeto, seus filmes recentes sofreram com a falta de atenção de seu realizador para finalizá-los com qualidade. Mas 13 Assassinos (Jûsan-nin no shikaku, 2010) foge à regra. Baseado numa obra homônima de 1963, dirigida por Eiichi Kudo, este novo trabalho (novo para nós, porque ele já tem engatado mais cinco projetos que estão por vir) de Miike se vale da tradição dos grandes cineastas japoneses de ter pelo menos um jidaigeki (filme de samurais) no currículo. E, como todos sabem, é preciso de um tom mais épico, mais grandioso, para se contar uma boa história de samurai. Apesar de não ser o primeiro jidaigeki de Miike, 13 Assassinos parece ser um dos únicos a ganhar a atenção devida do cineasta, assumindo um ar de grandeza especial e fazendo-se notar, já que o atual cinema japonês parece pouco ligar para trabalhos desse tipo.

A história de 13 Assassinos é repleta de todas as tradições do Japão feudal do século XIX, e o mais interessante nisso tudo é ver como o cinema sanguinário de Miike acaba encontrando nessas tradições um espelho. A cena inicial, por exemplo, já começa chocando ao mostrar em detalhes um processo de haraquiri (uma espécie de forma honrada de um samurai cometer suicídio). Se em Harakiri (Seppuku, 1962), obra-prima de Masaki Kobayashi, esse processo já ganha uma atenção dramática enfatizada, nas mãos de Miike tudo é ainda mais explícito e físico, traduzindo bem logo de cara o horror que reinava naquela época.

A trama gira em torno de Shinzaemon (Kôji Yakusho), um samurai da velha guarda contratado para matar o meio-irmão de um xogum, um sádico impiedoso que promove massacres inexplicáveis pelo país, antes que este se torne o principal conselheiro. Em tempos de relativa paz, Shinzaemon andava sumido, sem que seus serviços fossem necessários e, portanto, agarra a oportunidade sem pensar duas vezes, mesmo sabendo que seu “exército” consiste em apenas 13 homens no total, sendo um desses o maluco achado no meio da floresta. Para poder vencer o experiente Hanbei (Masachika Ichimura), samurai protetor do perigoso lorde, e seu poderoso exército, Shinzaemon terá de bolar um grande plano de ataque surpresa.

Por se tratar de um épico de guerra, muito comparado ao clássico de Akira Kurosawa Os Sete Samurais (Shichinin no Samurai, 1954), 13 Assassinos talvez possa parecer num primeiro momento um trabalho mais “leve” para os padrões de Miike, por conta de toda a mise-èn-scene estilizada. Mas a estética é só uma fachada a ser rompida pela explosão de cenas violentíssimas de massacres, estupros e mutilações. Se no primeiro ato o filme se controla um pouco (embora “controla” não seja a palavra mais adequada para se falar do cineasta em questão) no teor explícito, por se focar mais na apresentação detalhada dos treze personagens-título, a metade final é literalmente um massacre sem fim, quando o ataque se inicia em meio a florestas e campos (um trabalho de câmera magistral no aproveitamento de seus cenários e espaços). Uma batalha de samurais é a desculpa suficiente para Miike arrasar com a já citada violência primordial de seu cinema, e finalmente alcançar o seu objetivo.

E seu tal objetivo, por mais implícito que seja, é um afronte para nós espectadores, consumidores de toda essa violência. Afinal, no contexto do filme, a paz é descartável, tediosa e falsa. O grande vilão, futuro conselheiro do xogum, promove inúmeros massacres hediondos apenas para quebrar o período de paz que acomete o país, e assim saciar seu prazer sádico em gerar e assistir a violência. O próprio samurai líder da rebelião, Shinzaemon, parece promover toda essa revolta não apenas para arrancar o tirano da liderança e reestabelecer a paz, mas principalmente para poder voltar a praticar sua missão que, em suma, é violentíssima. Se normalmente nos filmes de samurais são abordadas questões como honra, princípios e bravura, sob a lente de Miike esse tema acarreta consigo questões diferentes, como decadência moral e física em um mundo que procura pela violência, mesmo quando ela está quase dizimada. E, nós espectadores, entramos no meio dessa salada ao sentar e apreciar todo esse show (afinal, o filme é ótimo), e sentir sem nem saber o prazer de ver sangue jorrando na tela a todo instante.

Comentários (4)

Rodrigo Giulianno | domingo, 05 de Agosto de 2012 - 15:07

Homero resenhando Miike? Boa surpresa!

Ótima críica!!

Adriano Augusto dos Santos | segunda-feira, 06 de Agosto de 2012 - 08:42

Falou bem demais Heitor.
O trabalho de camera na segunda parte do filme é inacreditavel,se pensarmos que ela realiza tantos em tão pouco tempo ainda mais.

Victor Ramos | segunda-feira, 06 de Agosto de 2012 - 14:14

O Miike é um gênio.

Alexandre Marcello de Figueiredo | sábado, 10 de Novembro de 2012 - 18:19

O filme até tem suas qualidades, o Miike não é celebrado pela crítica à toa, mas o problema é comigo. Não me simpatizo muito com o cinema japonês, com filmes de samurais, mesmo nos dando diretores como o próprio Miike e o grande Akira Kurosawa.

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