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Críticas

Cineplayers

O estático e o cinético.

7,0
O filme derradeiro do cineasta iraniano Abbas Kiarostami consiste, segundo o que o próprio deixou gravado em depoimento, nos experimentos tentados com as imagens da natureza que capturou ao longo da vida com uma Yashica barata. Um dia, curioso em imaginar como aquelas fotografias sobreviveriam se em movimento, ou como seriam as histórias e ações que vieram nos momentos após o seus cliques, o diretor decidiu criar vida em cima do inanimado.

Em teoria, a grande sacada de 24 Frames (idem, 2017) é o próprio cinema em si - a arte dar movimento às imagens estáticas, ou em princípio uma evolução direta da fotografia. Fazendo disso quase uma novidade, Kiarostami divide seu filme em literais 24 fotografias, que através de intervenções digitais passam a transmitir movimento e ação, sem ser necessária a movimentação da câmera. Em cada uma delas, ele vai explorar os princípios mais primários do fazer cinema, como se o estivesse desmembrando em partes, para sem seguida estudá-lo por módulos. A partir desse exercício de observação, ausente de qualquer tipo de narrativa ou história, o que temos é apenas a imagem e suas propriedades - os níveis de profundidade, as texturas, a incidência de luzes naturais e do som do extracampo, etc.

Sem uma narrativa tradicional, o filme vai estimular principalmente uma interação mais efetiva entre a imagem e seus receptores, nos desafiando a meditar nela e em sua gradual expansão. O fato de partir do estático e aos poucos acrescentar movimentos e interações entre a natureza e os animais nos leva a uma viagem pela expansão do cinema ao longo das eras, que partiu da fotografia, ganhou movimento para simplesmente documentar ações cotidianas com os irmãos Lumiére, até por fim adquirir uma função narrativa/ficcional quando nas mãos de pioneiros como Georges Méliès.

A imaginação de Kiarostami inclusive engloba um cruzamento entre cinema e pintura, e logo no primeiro frame ele idealiza uma ação em cima de um quadro de tinta a óleo, acrescentando personagens, movimentos, interações e eventos da natureza como neve e fogo, oferecendo um pós-vida para aquele universo há tantos anos aprisionado na condição estática e ensimesmada da tela. O avanço entre um frame e outro vai incluir aos poucos sons incidentais, trilha sonora, jogos de perspectivas, truques de imagem, presença de atores, pequenas indicações narrativas, até desembocar no último frame, que engloba a passagem em câmera lenta de um filme de amor da Velha Hollywood, no tradicional beijo cinematográfico e seu impacto de apelo universal. Não deixa de ser uma declaração de amor ao cinema, desde os seus primórdios, além de uma constatação sobre seus constantes avanços e transições – algo muito parecido com o que Federico Fellini fez em E La Nave Va (idem, 1983). Nada mais belo e digno poderia vir do canto de cisne de um dos cineastas mais importantes de todos os tempos, que nos deixou tão cedo, mas que manteve sua alma viva nesses frames que pulsam a cada vez que entram em contato com os olhos, ouvidos e coração de um novo receptor. 

Visto na 41ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

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