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Críticas

Cineplayers

Apesar de ser um grande efeito especial, 300 tem visual arrebatador.

8,0

É sempre sensacional quando um filme consegue dominar por completo o espectador. São casos nos quais o envolvimento entre obra e público é tão grande que chega a ser fácil relevar alguns problemas narrativos. Titanic foi assim pra mim, uma experiência sensorial tão fascinante que o romance clichê entre Jack e Rose não teve influência alguma na minha opinião final a respeito da produção. É o mesmo caso de 300.

Baseado na graphic novel de Frank Miller, o filme conta a história – real, mas aqui fantasiada – da Batalha das Termópilas, no ano 480 a.C. Focando no lado espartano, a trama acompanha o rei Leônidas e seu grupo de 300 homens defendendo sua terra contra o exército persa do deus-rei Xerxes. A batalha se tornou heróica pelos números envolvendo os dois exércitos: enquanto os espartanos contavam apenas com suas três centenas, os persas combatiam com milhares.

Dirigida com paixão por Zack Snyder (que estreou no cinema com o ótimo Madrugada dos Mortos), 300 é uma obra vibrante e com visual arrebatador, ainda que possua alguns problemas em seu roteiro. No entanto, a trama aqui é o que menos importa. A intenção do cineasta – bem-sucedida, por sinal – é transmitir para o espectador a forma de viver dos espartanos, onde a guerra é a única forma honrada de vida. Snyder consegue isso, entregando um filme esteticamente hipnotizante e que contagia o espectador com sua fúria descomunal.

Utilizando uma técnica semelhante à de Sin City e Capitão Sky e o Mundo de Amanhã, Snyder criou todos os seus cenários através de computação gráfica. O resultado, assim como nas obras citadas, é fenomenal. Aliando tecnologia com um talento para a composição dos quadros, o diretor cria planos simplesmente fabulosos, para acompanhar sem piscar. Assistir a 300 é como olhar para a Gisele Bündchen: a platéia agradece por ter olhos funcionando bem.

Não sobram dúvidas de que o lado visual é o ponto forte de 300. É impossível não se deslumbrar com a plasticidade alcançada por Snyder em cenas como a da oráculo envolvida na fumaça, a dos persas sendo jogados no penhasco ou o último plano envolvendo Leônidas. Estes momentos, porém, não são bem planejados e magistralmente executados apenas em termos visuais. Cada cena pulsa com um vigor contagiante, extraindo o máximo de vontade do filme para jogar os níveis de testosterona do espectador para o alto. Dá vontade de gritar no cinema junto com Leônidas.

Nesse sentido, o roteiro funciona de maneira homogênea com a proposta de Snyder. Repleto de frases de efeito (“Hoje vamos jantar no Inferno”, “Lutaremos na sombra” e a já clássica “Isto é Esparta!”) e com uma belíssima narração em off (característica dos textos de Frank Miller), cada cena consegue insuflar o coração do público, transmitindo com acurada eficiência a mentalidade e espírito dos espartanos.

No entanto, se o argumento funciona em termos específicos, encontra problemas na narrativa como um todo. O principal defeito é, indiscutivelmente, a inserção de uma subtrama completamente desnecessária envolvendo as tentativas da mulher de Leônidas em convencer o conselho sobre a necessidade de mandar exércitos para a guerra. Além de completamente dispensável à história do filme, estes acontecimentos paralelos quebram o ritmo da obra, que cai vertiginosamente cada vez que a ação muda do campo de batalha para Esparta.

Por ser sobre uma única batalha, o enredo pouco se desenvolve. 300 é apenas uma série cenas sobre os espartanos se defendendo contra os persas, nada mais. Ainda assim, o espetáculo de força e sacrifício de Snyder jamais cansa, pois a próxima cena sempre consegue ser ainda mais fascinante que a anterior. Enquanto isso, os personagens também não recebem melhor tratamento, permanecendo como estereótipos. Mas, assim como a qualidade das cenas particulares superam a falta de movimento do enredo, o desleixe em relação aos personagens é perdoado quando se percebe que a história não é sobre uma, duas ou três pessoas, mas sobre um povo. E, ao final do filme, o espectador conhece esse povo (ou, ao menos, a visão de Snyder sobre ele) muito bem.

Aliás, falando em Snyder, deve ser comentada ainda a forma com a qual ele filma as batalhas. É leviano um crítico de cinema utilizar esta frase, mas aqui ela se aplica com todas as letras: nunca se viu batalhas como as de 300. Os momentos nos quais Snyder acompanha um ou dois guerreiros na luta, acelerando e desacelerando a cena, são simplesmente fantásticos. Vibrei como poucas vezes havia vibrado antes, extasiado com a técnica do cineasta, que conseguiu encontrar beleza – pelo menos estética – na violência.

E violência é uma das bases de 300. O diretor parece fascinado por sangue, tamanha a riqueza de detalhes com as quais filma braços e pernas cortados, cabeças decapitadas e toneladas do líquido vermelho jorrando. Pode-se até dizer tais cenas sejam moralmente equivocadas – e, de certa forma, o são –, porém, estão completamente dentro do tom do filme e da vida dos espartanos.

Embora não ganhem espaços para atuações mais cuidadosas devido ao roteiro, os atores encarnam seus personagens de maneira dedicada e visceral. Esta análise, na verdade, é mais apropriada para o escocês Gerard Butler, intérprete de Leônidas. É impossível não se convencer sobre a honra e não se admirar com o sacrifício dos espartanos após cada grito esbravejado pelo ator. Com um fabuloso descontrole emocional, Butler cativa não apenas seus soldados, mas cada um dos espectadores: graças a ele, é fácil sair do cinema querendo ser um espartano.

Já Rodrigo Santoro causa certa estranheza no papel do deus-rei Xerxes. Com voz modificada digitalmente e sob forte maquiagem e figurino, o ator brasileiro abusa de exageros para criar uma figura bizarra e repleta de gestos afeminados. Mas Santoro é eficiente e parece se divertir na composição de tal ser grotesco e peculiar. O realce do lado feminino de Xerxes, aliás, surge como interessante contraponto à exacerbada masculinidade dos espartanos, com corpos musculosos e abdomens definidos (as mulheres vão adorar).

Utilizando a trilha sonora de maneira extremamente eficaz (com mistura de rock e canções mais épicas), 300 atinge seu objetivo de levar o espectador a uma experiência sensorial sem igual. Mesmo não sendo um filme revolucionário (outros utilizaram a mesma técnica), é inegavelmente uma obra de visão de um diretor diferenciado e com talento. Mesmo com tropeços no roteiro, a estética transborda para encher os olhos e o vigor sai da tela para pulsar nas veias do espectador. E isso, no caso de 300, é mais do que suficiente.

Comentários (4)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 13:58

Essa será pra sempre a obra máxima de Snyder, que jamais conseguiu - e acho que nem conseguirá- superá-la. E olha que sou um dos poucos que gosta de Watchmen

Luiz F. Vila Nova | domingo, 05 de Abril de 2015 - 12:19

A melhor crítica sobre esta obra, pois a definiu com exatidão, sem equívocos ou preconceito. Uma experiência visual única, vibrante, visceral e sensorial. Gerard Butler no papel de sua vida, acredito.

Lucas Aragão | terça-feira, 13 de Fevereiro de 2024 - 10:20

Somente com fast forward para segurar esta bronca.

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