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Críticas

Cineplayers

O caos nas relações de amor − e no cinema de Meirelles.

4,0

O mundo cão das relações amorosas na visão tendenciosa e globalizada de Fernando Meirelles. 360 (idem, 2011) é uma crônica mal-ajambrada dos encontros, separações e reencontros entre uma dezena de personagens em diferentes cantos do mundo, desde as aproximações casuais ou oportunas (marcadas pelo sexo ou afeto), às rupturas e as tentativas de reconciliações, com um papel preponderante nessa abordagem: o das diferentes classes sociais. Ou o momento em que um cineasta brasileiro nos entrega uma união entre Closer - Perto Demais (Closer, 2004) e o estilo do mexicano Alejandro González Iñárritu, fracassando até mesmo em encontrar um público para manipular e envolver como ocorrera com as obras mencionadas acima, bem-sucedidas nesse sentido, por toda repercussão que causaram.

Ainda assim, logo de saída, poderíamos achar que nos surpreenderíamos com o Meirelles que transparece nos primeiros minutos de 360. Depois de todas as afetações visuais de Ensaio Sobre a Cegueira (Blindness, 2008), que se perdia em filtros horrorosos e jogos de foco insuportáveis com o pretexto de que seguiam as possibilidades oferecidas pela trama original, mas que com todo o seu deslumbramento deturpavam a imagem cinematográfica, há um notável avanço em relação ao diretor quando passamos ao começo deste novo filme, como se uma noção mais sensata de cinema fosse esboçada e ele oxigenasse o seu estilo. Vemos uma garota de programa eslovaca, Mirka (Lucia Siposova), que passa a utilizar o nome falso de Blanka, numa sessão de fotos para uma rede que posta imagens de mulheres na internet. Não demora muito, entretanto, e se estabelece um vai e vem de cortes que determina a estrutura e dita os acontecimentos e personagens.

Um empresário inglês de passagem por Bratislava, Michael (Jude Law), contrata os serviços da garota, e dali em diante o roteiro joga as personagens em um vórtice aleatório de acontecimentos e acasos, com a estrutura forçando encontros e desencontros, e um fato repercutindo em outro no outro lado do mundo ou no mesmo continente. Em Londres, a mulher de Michael, Rose (Rachel Weisz), também se divide numa relação extraconjugal que gostaria de romper, no caso com um fotógrafo brasileiro (Juliano Cazarré), que por sua vez está sendo deixado pela namorada Laura (Maria Flor). Ainda há espaço para Anthony Hopkins como o companheiro de vôo de Laura partindo de volta ao Brasil, ele que há anos está à procura de uma filha, além de um ex-presidiário (Ben Foster) que também cruza o caminho de Laura, um chefão russo (Mark Ivanir) e seu motorista Sergei (Vladimir Vdovichenkov), que fazem a ligação com a prostituta eslovaca, e a mulher de Sergei, Valentina (Dinara Drukarova), que trabalha em Paris como assistente de um dentista muçulmano (Jamel Debbouze), apaixonado por ela, mas que por seus princípios morais e religiosos não se declara em virtude da mulher ser casada.

Se estas personagens se entrelaçam em uma espiral de espaços e relações, isso ocorre de forma desorientada, acabando por tecer um pastel de vento, sempre com a possibilidade de se deixar conclusões em aberto, relações não consumadas e vontades suspensas. Deve-se considerar que a questão em si de trabalhar uma narrativa em multiplot não é o problema. Outros cineastas já realizaram obras muito bem-acabadas nessa linha, um exemplo mais recente é Clint Eastwood capaz de arrancar lágrimas e dar uma aula de como se cruzar várias histórias no brilhante Além da Vida (Hereafter, 2010). Já o filme de Meirelles não é ruim por conta dessa idéia de dezenas de personagens que se cruzam − é ruim pela mesma e única razão pela qual todos os outros filmes são ruins: é mal feito. A cosmética do cinema de Meirelles, amparada por técnicos competentes (o diretor de fotografia Adriano Goldman e o montador Daniel Rezende), mais uma vez não impede que o filme naufrague diante de sua própria desorientação.

360 adota uma lógica e estrutura sem nada mostrar do lado bom e ruim de cada relação enquanto ela dura, gerando somente distorções um tanto aberrantes. Não há tempo para que cada relação se instaure, para que um envolvimento se cristalize entre os personagens, tudo é condensado com relativa pressa em tempo e espaço. O brasileiro está sempre a filmar um presente que não se sustenta, que não consegue ganhar consistência. Por outro lado, falar em personagens aqui é força de expressão: não há um único personagem de verdade no filme de Meirelles, apenas retalhos que o elenco internacional e famoso tenta dar corpo e cara. São menos pessoas e mais estereótipos de nosso tempo, sendo a peculiaridade de cada um determinada pela sua posição sócio-econômica e origens étnicas, que Meirelles responde buscando um olhar de complacência, com os espaços visuais das grandes metrópoles que servem como decoração dos conflitos expostos servindo apenas como cartões postais publicitários de uma felicidade inatingível para os personagens. Difícil pensar que o roteiro tomou como ponto de partida a mesma peça de Arthur Schnitzler que deu origem a A Ronda (La Ronde, 1950).  Já sobre Fernando Meirelles, o pior que se pode dizer sobre seu filme mais famoso, Cidade de Deus (idem, 2002), completando agora dez anos, é ele ter garantido sabe-se lá por quanto tempo a carreira internacional do seu realizador.

Comentários (4)

Lucas do Carmo | domingo, 19 de Agosto de 2012 - 21:06

Meirelles zzzzzzzzzzz.........

Patrick Corrêa | domingo, 19 de Agosto de 2012 - 23:14

Vou conferir em breve pra ler a crítica.
Temo que eu vá dar uma nota baixa também.

Vlademir Lazo | segunda-feira, 20 de Agosto de 2012 - 12:47

O filme já seria muito ruim se não existisse o do Ophuls, mas assistam La Ronde e percebam como a diferença é astronômica.

Heitor Romero | segunda-feira, 20 de Agosto de 2012 - 12:55

A Ronda é meu preferido do Max Ophuls, essa comparação com 360 me assustou, perdi a pouca vontade que tinha de ver o filme.

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