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Críticas

Cineplayers

Grande vencedor do festival de Paulínia é bom filme sobre a realidade das comunidades carentes do Rio.

7,5

A temática da miséria é constantemente explorada pelo cinema brasileiro. Se os enredos envolvendo as favelas cariocas já geraram grandes obras como Cidade de Deus (idem, 2002) e Tropa de Elite (idem, 2007), ao mesmo tempo cansaram boa parte do público pela recorrência. Mas, desta vez, o assunto é explorado de forma original, sob uma visão diferente da policialesca ou criminosa.

5x Favela - Agora Por Nós Mesmos (idem, 2010) reúne cinco histórias distintas, mas que conseguem a proeza de dialogar entre si, para mostrar como as realidades das famílias carentes – e honestas – se cruzam com a realidade da favela – e do crime – e com a vida fora dela. O mérito reside no fato de todos os fragmentos terem sido dirigidos por moradores dessas regiões marginalizadas do Rio de Janeiro, o que barra qualquer tipo de olhar crítico-paternalista ou preconceituoso de quem vê a realidade do morro de fora para dentro.

O mergulho no cotidiano de pessoas comuns enriquece o longa-metragem, que pode ser encarado tanto como a reunião de cinco contos distintos como uma única história sobre a condição de vida e as perspectivas que as favelas cariocas apresentam a seus moradores. Se visto por sua totalidade, 5x Favela é cinema do bom, que permite reflexão constante por meio do evidente e do simbólico. Por sua vez, se analisado separadamente, uma trama de cada vez, o filme cai – mas apenas de leve – na armadilha de filmes com histórias múltiplas: algumas narrativas são mais interessantes e ricas do que outras, o que prejudica o resultado final.

Aqui, as três primeiras passagens, intituladas “Fonte de Renda”, “Arroz com Feijão” e “Concerto para Violino” são quase irretocáveis dentro de suas propostas, enquanto “Deixa Voar” e “Acende a Luz”, as duas narrativas que encerram, são menos eficientes, apesar de serem boas – a crítica fica restrita à comparação com aquilo que já havia sido apresentado até então. Mas é preciso ressaltar a unidade do longa, o que é raro em filmes de episódios – o roteiro foi amarrado por Rafael Dragaud, premiado no Festival de Paulínia. 5x favela imprime uma visão nova sobre uma temática cada vez mais saturada, apesar de suas múltiplas possibilidades.

Os episódios:
 
Fonte de Renda
No fragmento que abre o longa-metragem, o jovem Maycon consegue passar no vestibular de uma faculdade de direito, mas a realização do sonho traz também alguns problemas. Por sua veracidade, o filme não cai na tentação de mostrar o jovem sendo vítima de preconceito por sua origem ou raça dentro da sala de aula – o que deixaria a história batida.

Maycon se enturma como qualquer outro jovem. Entretanto, as dificuldades financeiras o assustam: muitas vezes não tem verba para bancar os gastos com livros, alimentação e transporte. É aí que a tentação de trazer substâncias ilícitas para seus colegas de classe bate a porta de Maycon. Suas decisões a partir daí criam a base para um final rico, simbólico, que percorre caminhos improváveis.

Arroz com Feijão
Depois de narrar a história do jovem que tenta vencer a realidade que o cerca por meio dos estudos, o segundo episódio apresenta duas crianças que juntas tentam conseguir dinheiro – 5 reais já os deixam extremamente empolgados – para poder levar comida para dentro de casa. O tom escolhido para narrar este fragmento é o humor – e os dois atores mirins Juan Paiva e Pablo Vinicius dão show em cena. Sem dramatizar o cotidiano da comunidade, e por isso mesmo mostrando a alegria no viver mesmo com a condição social adversa, a história arranca risos genuínos pela construção inteligente de seu roteiro.
 
Concerto para Violino
O sorriso no rosto oriundo da passagem anterior é rapidamente substituído pela angústia da história de três amigos de infância que tomaram rumos distintos em suas vidas. Enquanto Jota entrou para o crime organizado, Ademir ingressou na polícia militar carioca. Em meio a eles, Márcia tenta levar uma vida dedica à música, longe do jogo polícia x bandidos.

Esse episódio escancara de forma inquietante a relação antiética que se desenvolve entre as forças da lei e os traficantes. A guerra pela paz é um jogo de cartas marcadas, no qual um lado sabe exatamente onde o outro está e quais serão suas atitudes. A corrupção – moral e financeira – que assola as instituições leva ao jogo de interesses que no fundo alimenta ainda mais a bandidagem. O desfecho é emblemático, na medida em que força um personagem a cometer um ato que contraria seus princípios, mas que ao mesmo tempo lhe faz se sentir fiel a eles.

Deixa Voar
Flávio e os amigos sobem na laje de uma casa na favela em que moram para participar de uma competição de pipas. A brincadeira que mostra a limitação de opções de entretenimento dos jovens carentes – ao mesmo tempo em que são eles que preservam costumes antigos já perdidos nas grandes cidades – expõe também o conflito entre facções nos morros cariocas.

Ao perder o controle sobre a pipa, Flávio precisa entrar na comunidade rival para reavê-la. E essa incursão o leva a rever conceitos enquanto transmite ao espectador a constante tensão que permeia a favela. E nesse sentido, causa ainda mais revolta ver o cerceamento de possibilidade que as comunidades têm em um clico que se alimenta das tensões.

Acende a Luz
Com o episódio que encerra o longa-metragem, o humor retorna. Na véspera de natal, a falta de luz atormenta uma pequena parte da favela, ainda mais porque os técnicos da companhia de energia não conseguem consertar o defeito e também não se esforçam para comprar a peça necessária para a solução do problema pela pressa de encerrar o expediente. Assim, os moradores impedem a saída de um dos funcionários até que o problema seja solucionado.

A relação que se desenha entre o técnico e os moradores da região é fruto da bondade do funcionário, que não julga correto deixar o local sem energia na ceia do natal. É mais um conto que busca pelo humor transmitir o esquecimento que aqueles moradores enfrentam em seu dia a dia. Os dramas da comunidade, entretanto, não se diferenciam tanto das frustrações que o técnico passa em sua vida. Os contextos podem ser diferentes, mas todos passam por momentos de abandono, solidão e esquecimento, e o centro da questão é superar as adversidades pela alegria das pequenas atitudes.

Coerente em sua narrativa, 5x Favela é honesto em seu trato com as comunidades carentes e faz repensar constantemente o certo e o errado, além de alcançar a difícil missão de levar os mais favorecidos a entenderem certas atitudes dos moradores de favelas sem que o filme se solidarize com a marginalidade.

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