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Críticas

Cineplayers

A guerrilha sob o olhar do mecanismo.

4,0
Alguns anos depois da explosão que foi a dupla de Tropas de Elite, José Padilha volta a ser contexto em situação oposta. Lá atrás, com Urso de Ouro e a maior e mais honesta maior bilheteria da História do nosso cinema; hoje, em contestação. Desde a exibição desse 7 Dias em Entebbe fora da competição de Berlim, passando pelo lançamento de O Mecanismo na Netflix e chegando a seu lançamento nos cinemas, Padilha não goza mais da unanimidade. O cineasta que parecia ler o que as plateias queriam ao mesmo tempo que motivou discussões a respeito das motivações do seu duo de sagas do Capitão Nascimento ainda tem o que dizer, mas parece que não é mais relevante. Se na série em streaming o diretor apenas requentou um discurso de um lado das ruas sem rigor estético, se mostrando um 'showrunner' sem qualquer personalidade, essa última característica é incorrida aqui de novo. 

Qual a relevância em filmar uma história de paixão por um ideal quando você não demonstra nenhum? Revolucionários dos anos 70 interessados em dar voz ao estado palestino eram motivados pela ânsia de dar voz àquelas pessoas e sua narrativa sem protagonismo para tantos países poderosos. Foi isso que motivou os jovens que estavam engajados nesses grupos a tomar um avião como refém e exigir a troca de passageiros por prisioneiros políticos palestinos, usando também esse espaço para disseminar a causa da libertação do estado de tirania ao qual eram submetidos. A primeira atitude para a adaptação desse material deveria ser embutir nesse elenco, nesse projeto, nesse roteiro, nessa narrativa um misto de garra, fúria, revolta e uma explosão febril por um senso de justiça comum. Pois bem, não há qualquer fotograma de 7 Dias em Entebbe onde isso seja minimamente emulado, pelo aspecto que for da produção. Na verdade é o oposto a ser apresentado, um jogo milimétrico onde cada movimento parece estudado.

Ainda que haja uma execução competente da equipe que fielmente costuma seguir o diretor (tais como Lula Carvalho, Daniel Rezende e Rodrigo Amarante, respectivamente fotógrafo, montador e compositor), o filme parte de uma sequência inicial promissora para resgatar essa mesma sequência repetidas vezes, por repetidos ângulos, até que ela careça de força e propósito. Toda a estrutura do filme acaba passando por esse lugar sem gás, onde há uma apresentação de um universo relativamente reconhecível do cinema (o drama de suspense de sequestro aéreo) para tratar de temas superlativos, que são inseridos na narrativa de maneira descomprometida com a própria proposta, e em paralelo a isso vemos o roteiro desfilar toda a sorte de clichês sobre guerrilha possível, inclusive numa tentativa de se aproximar da sobriedade do 'Munique' de Spielberg e falhando fragorosamente, transformando o diálogo que exporia os dois lados da questão em um monólogo onde claramente só um lado é beneficiado.

Outra situação que salta aos olhos é a burocracia das escolhas. Cineasta brasileiro estreando em produção internacional, é fácil de perceber a identificação de Padilha com o material apresentado. Que tenha pensado em impor um ritmo que ele e sua equipe já tenham estruturado é outra afirmação fácil de fazer. Mas nada disso resultou em material minimamente próprio, por maior que fosse a vontade. O que salta aos olhos é um esquema sem assinatura muito evidente, que não teria problema em ser reproduzido por outro cineasta de menor valor ou gabarito. Na intenção de querer agradar a todos, o tiro pode ter sido longe demais do alvo, e periga o filme ser apreciado somente por quem for sem qualquer expectativa prévia. Conforme a narrativa avança e a melancolia dos personagens começa a se mostrar mais evidente diante da inexorabilidade dos eventos, o filme parece se contentar em ser uma mera reconstituição de similares, o que para um cineasta tão impositivo quanto Padilha é no mínimo frustrante.

Os planos finais do longa deixam uma impressão de abandono de esforços, quando todos parecem apenas ter passado para ali afim de realizar um ofício, apenas. Não a toa que sua série tenha sido acusada de uma espécie de estetização tipicamente americana dada a natureza global da Netflix; nesse novo filme, Padilha parece ter sido coerente e repetiu essa pegada. Sem o diferencial da urgência que mesmo em Hollywood ele tinha conseguido imprimir, o diretor vive um momento de entressafra clara onde os mesmos problemas acometem diferentes obras. Talvez seja o momento de acionar um botão de alerta e descansar um período, apenas regressando quando a tal paixão voltar a bater na porta e a cólera típica dos apaixonados responder a ele com um projeto digno do diretor que sabemos que ele é.

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