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À Beira da Loucura

(In the Mouth of Madness, 1994)
7,7
Média
228 votos
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Sua nota

Críticas

Cineplayers

Uma das grandes obras-primas de Carpenter, uma espécie de filme-testamento de seu Cinema e do gênero ao qual pertence.

9,0

Pensemos em Jacques Tourneur, Mario Bava e Dario Argento. Conseqüentemente, também pensemos no Cinema como conjunto de signos e imagens; sombras, cores, luzes e sons. Resgatemos os ideais de Griffith, Lang e Murnau quando da reinvenção da arte cinematográfica há quase cem anos (literalidade? Jamais. Ficção). E de Resnais, constante estudioso de memórias e ícones e da georgrafia da mente como principal veículo de abstração da imagem. Estamos muito próximos de uma confusão cerebral, é verdade, mas mais próximos ainda de encontrar a essência deste À Beira da Loucura, filme em que o mestre John Carpenter reavalia sua carreira e o gênero a que tanto deve: o terror.

Como representante de uma linha cinematográfica calcada basicamente em sensações e na força da imagem e levando em conta o homem estudioso que sempre foi este diretor, a última verdadeira obra-prima de Carpenter – e por um acaso precisa mais quando se tem no currículo filmes como Eles Vivem, O Príncipe das Sombas, O Enigma de Outro Mundo, Assalto à 13ª DP, entre outros – para o Cinema – faria ainda nesta década vigente uma espécie de B-side de À Beira da Loucura para televisão, o espetacular média-metragem da primeira temporada da série Masters of Horror, Cigarette Burns, que viria a ser um de seus melhores trabalhos – resgata tanto o poder de crença que ao longo do tempo se perdeu nos filmes de horror contemporâneos quanto a condição de pastiche inconsciente de tudo o que geralmente interessou ao diretor dentro do universo cinematográfico (esquecendo propositalmente de seu maior mestre Hawks por acreditar que esta relação se estreita melhor em outras oportunidades).

À Beira da Loucura inicia com a busca de um investigador de seguros pelo paradeiro de um bem-sucedido escritor – ponto de partida semelhante ao de muitos filmes noir -, conhecido por seus clássicos livros de horror que, por sua vez, são famosos por transportarem os leitores a outras dimensões durante e após a leitura (quem pensou em Stephen King sacou de cara a principal referência de Carpenter na construção de seu plot), e é exatamente aí que encerra-se a relação de Carpenter com o que há de habitual na arte de contar histórias. O diretor já havia feito muito com tão pouco quanto – Halloween seria um filme como qualquer outro slasher de primeira linha, mas se diferencia dos demais pelo impressionante jogo de perspectivas e o cuidado com a montagem dos planos e a finalidade deles dentro da assimilação de seus signos-chave; A Bruma Assassina se passa em uma pequena comunidade sitiada por uma névoa misteriosa e é subitamente transformado de conto de acampamento a um espetáculo de construção atmosférica e exemplar montagem espiral; O Príncipe das Sombras se passa todo dentro de uma igreja com um grupo de cientistas tentando desvendar o significado de um líquido verde encontrado no porão, etc – mas é aqui que Carpenter se desliga por completo da razão – pensemos nele como o Terror nas Trevas carpenteriano – para ir de encontro à completa abstração narrativa, uma forma de potencializar seu objeto de estudo central.

E qual seria este senão o próprio gênero ao qual pertence? Carpenter reúne alguns dos elementos básicos do cinema fantástico – a referida construção atmosférica; as imagens surreais; o desprendimento do roteiro, do literal, com o objetivo de buscar através da câmera, única e simplesmente, momentos que transmitam o máximo de sensações como medo, claustrofobia, tensão e pavor, que afinal é a procura de quem vê um filme do gênero – e passa, a partir do momento em que o investigador chega à cidadezinha em que acredita que irá encontrar o escritor, a distribuí-los entre situações aparentemente desconexas que visam, além da construção de um sempre pertinente discurso metalinguístico entre a obra e sua própria criação, acarretado pela metafórica diluição das barreiras entre a realidade do protagonista e a mitologia da figura do escritor e de seus livros, traçar um delicado painel reflexivo acerca deste universo fantástico cinematográfico.

Carpenter, em À Beira da Loucura, nos coloca em outro mundo. Este, evidentemente, é o objetivo de qualquer filme, mas aqui presenciamos esta ruptura de forma rigorsamente radical e em tempo real, na tela. Assim como em Eles Vivem, sua obra-prima, o diretor apresenta uma noção de realidade para o filme em questão – naquele caso uma metrópole na forma como habitualmente estamos acostumados a ver; neste, uma realidade também muito próxima à nossa, com uma empresa temendo perder seu maior produto e procurando formas de resgatá-lo – para, em um segundo momento, embarcar numa viagem de abstração deste universo através do olhar do próprio protagonista, que assume por conseqüencia a condição de subjetiva de nosso próprio olhar (desta forma não ficamos completamente desprotegidos, afinal?). O personagem de Sam Niel perde completamente a noção de realidade ao adentrar aquela cidadezinha e passa a acreditar que está dentro de um livro do escritor (estão lá vários elementos e pessoas citados por ele nos livros). Ao mesmo tempo, também perdemos a nossa, e à medida que situações mais absurdas e incompreensíveis vão se empilhando Carpenter vai fazendo com que o filme se dilua em diversas camadas de possibilidades e reflexões.

É um filme sempre aberto a observações e interpretações, mas pode-se arriscar dizer que é possível dividí-lo em duas específicas motivações, que na realidade se completam de maneira bastante orgânica. É, como dito anteriormente, uma reflexão acerca do gênero terror e das sensações que os filmes do estilo transmitem e seu impacto no espectador – o epílogo é particularmente feliz nisso ao apresentar o protagonista rindo dele mesmo ao se ver atravessando situações outrora consideradas assustadoras durante o filme ao ver um filme que descobre ser baseado em sua própria jornada (e não seria o medo de um filme ou de um livro uma das mais engraçadas sensações se analisada de forma racional?), mas também uma reflexão da própria condição de realizador, de manipulador, num preciso trabalho de montagem de referências visuais e sensoriais aos mais bizarros e importantes ícones do gênero em que Carpenter costuma desenvolver suas habilidades – há desde os clichês básicos dos filmes de horror até momentos de irrepreensível e fantasmagórica construção atmosférica andando juntos e sempre em perfeita harmonia – que celebra, acima de tudo, a figura do autor como Deus de seu universo. De uma forma ou de outra, À Beira da Loucura acaba sendo uma homenagem de Carpenter a ele mesmo – e, de maneira especial, ao Cinema fantástico. Ou, se preferirem, o filme-testamento. Dele e de todo gênero, que hoje em dia, e mais uma vez, encontra-se infelizmente em declínio.

Comentários (3)

Cristian Oliveira Bruno | sexta-feira, 22 de Novembro de 2013 - 14:02

Carpenter tem vários títulos que foram muito mal recebidos e compreendidos na época de seu lançamento, vide The Thing. Mas sou fã desse mestre do terror e À Beira Da Loucura é um ótimo filme, se souber aceitá-lo.
Ps: Sam Neill está muito bem, por sinal.

Luis Felipe | quarta-feira, 29 de Janeiro de 2014 - 21:02

Porra...é um filme pra te deixar realmente À Beira da Loucura! Boa crítica.

Guilherme Santos | domingo, 08 de Março de 2015 - 09:20

a principal referencia desse filme é o escritor de horror Lovecraft, quem conhece suas obras nota de cara

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