Saltar para o conteúdo

Críticas

Cineplayers

Uma reunião de tudo o que há de mais clássico nas histórias de princesas da Disney.

7,0

Das animações lançadas pela Disney até hoje, A Bela Adormecida é, possivelmente, a que reúne mais elementos comuns às fábulas da empresa. Narrada classicamente a partir de um livro aberto logo nos primeiros segundos de filme, conta a história de uma jovem de berço real, Aurora, que é amaldiçoada por uma poderosa bruxa (Malévola), depois que a mesma não foi convidada para a festa de nascimento da menina. Com medo de que a maldição se concretize, o rei manda a filha ainda bebê para a floresta, para viver como camponesa, até que complete dezesseis anos – idade que a magia deixará de ter efeito.

Cuidada pelas três fadas que a abençoaram quando era bebê, a princesa Aurora é obrigada a viver uma vida que não é a sua apenas para esconder a real identidade: com nome falso e obrigações como uma jovem qualquer, a intenção das três fadas que zelam pela sua segurança é manter as aparências para que Malévola não descubra seu paradeiro e, assim, não conclua sua maldição. Porém, um descuido a beira do fim do prazo leva a bela Aurora ao destino que todos conhecemos: dormir como um cadáver até que alguém que a ame de verdade venha e a liberte de seu mártir com um sincero beijo.

Apenas na sinopse já dá para perceber a quantidade de clichês de contos clássicos: rei e seu reinado, castelo, bruxa, princesa, camponesa, fadas, magia, maldição, príncipe... Some isso a uma série de outros clichês, como dragões, masmorras, animais que adoram a personagem principal, canções que constroem os personagens, festas, tragédia e final feliz, enfim, uma série de elementos que compõe as mais clássicas das clássicas de todas as fábulas que ouvimos quando éramos crianças e temos A Bela Adormecida.

Só que, em um filme com cinquenta anos e baseado em uma história mais antiga ainda, fica fácil de acusar de clichês, quando na verdade ele deve ser visto como o criador de clichês. A Bela Adormecida é um dos mais previsíveis, mas também um dos mais gostosos da Disney de se ver. É tudo tão mágico, tão no lugar, que fica difícil achar erros devido sua essência, tranquila e serena. O que impressiona, durante toda sua duração, são algumas cenas mais pesadas, como a própria personificação de Malévola em si (aqui realmente tememos pelo que ela pode fazer) ou a luta com o dragão, que tem direito a sangue e um pouco mais de violência, trazendo à tona um realismo que destoa um pouco da calmaria que tínhamos tido até aqui.

Ainda assim, algumas coisas incomodam. Considerando os dias de hoje, fica difícil acreditar na paixão tão repentina e avassaladora que Aurora e o príncipe sentem, um pelo outro, apenas com alguns minutos de interação. Pode ser que no passado uma menina de dezesseis anos pudesse se sentir assim, mas o filme ficou datado. Muitas meninas, com essa idade e nossa nova realidade, já são mães, e as que não são, estão muito longe de serem as jovens que sonham com príncipes encantados. A inocência se perdeu com o tempo, e junto foi-se um dos pontos principais do filme, que pede a identificação do público com este amor para que a história funcione. Apenas aqueles que conseguem enxergar A Bela Adormecida a sua época é que enxergarão também a beleza que há em sua história.

Excluindo algumas obras-primas técnicas, como A Dama e o Vagabundo, geralmente a Disney tem suas opções inferiores às concorrentes da época, como as séries animadas Scooby Doo e Johnny Quest, mas ninguém nunca conseguiu fazer animações tão fluidas e realistas como ela. Cada um de seus personagens se move com uma leveza impressionante, fluido e convincente. Algumas vezes percebemos algumas irregularidades nos traços, como a constante mudança no formato do rosto de Aurora, fora a absurda mudança de cor no cabelo quando ela está ‘morta’. Como pode, alguém sem vida, ficar mais colorida e radiante do que quando está ‘viva’? Mas a sensação de vida que a animação dá ao desenho compensa todos os seus defeitos de construção.

Essa sensação, mesmo que contada com outras palavras, de que a personagem está ‘morta’ é muito forte. Para as crianças, é óbvio que, dormindo como uma anja, Aurora está viva. Mas, para os adultos, fica claro que aquele corpo, enquanto ali deitado, esperando seu príncipe encantado, está inanimado, sem vida. Morto. A maldição original de Malévola era essa mesma, mas a sensação que passa ao assistirmos é justamente de que Aurora, se não for acordada, ficará daquele jeito para sempre. Tendo isso em mente, a imagem dela repousando em paz, na cama, com as mãos dadas em cima do peito, é literalmente de um cadáver. É uma maneira da Disney falar sobre a morte e abrir esse tópico para discussão entre pais e filhos – “Meu filho, e se ela não acordasse?”.

Se colocarmos em uma balança todos os defeitos adquiridos com a idade com as qualidades que o longa até hoje tem, o resultado é mais positivo do que negativo. Aceitando sua idade, não condenando-a, fica fácil de ver a beleza que ainda há em A Bela Adormecida. Sublime desde a animação até cada personagem que aparece em tela. O carisma é imenso e não conhece limites, e é isso que ainda mantém Aurora dormindo e acordando por todos estes longos anos.

-=-=-=-

Update em 19/06/2009

O leitor Amauri Campos enviou-me um e-mail com algumas informações interessantes sobre o filme, que passaram batidas quando redigi o texto. Segue abaixo, na íntegra, o e-mail enviado pelo leitor:

"E aí, Rodrigo. Beleza? Olha, parabéns pelo site e pelo trabalho que você e toda a equipe tem feito. Gostaria de mencionar rapidamente sobre a resenha que você fez de \"A Bela Adormecida\". Em geral, eu gosto bastante das suas resenhas, mas acho que essa em especial ficou um pouco deficitária. Você não mencionou duas coisas fundamentais d\'A Bela Adormecida: a climatização medival e a trilha sonora. Foi feito uma pesquisa muito grande e um trabalho ainda maior da equipe criativa da Disney para tentar recriar as pinturas medievais: repare nos traços retos, a falta de perspectiva em algumas cenas (a perspectiva surgiu somente com o Renascimento), as cores sombrias, a ausência de piadinhas incidentes... além de ter sido a primeira vez de um filme Disney usar visão wide screen. Tudo isso faz dessa obra algo diferente, especial, histórico na Disney. Outro fator importante é a trilha sonora, tirada inteiramente do genial balé de Tchaikovsky. Isso foi único na história da empresa; acho que valeria uma menção na resenha. Bom, acho que é isso. Abraços. Amauri."

Comentários (0)

Faça login para comentar.