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Críticas

Cineplayers

O insosso cinema comercial de Jim Sheridan.

4,0

Se, há uns dez anos, alguém dissesse que em pouco tempo Jim Sheridan estaria realizando um filme hollywoodiano sobre uma casa mal-assombrada, com grandes estrelas, esta pessoa provavelmente seria chamada de maluca. Afinal, o renomado cineasta havia construído toda a sua reputação e conquistado nada menos do que seis indicações ao Oscar em produções mais intimistas, do chamado “circuito de arte”, ao retratar nas telas histórias voltadas a personagens pertencentes às classes pouco favorecidas da Inglaterra e Irlanda, como Meu Pé Esquerdo (My Left Foot, 1989), Terra da Discórdia (The Field, 1990) e Em Nome do Pai (In the Name of the Father, 1993). Após um breve flerte com o cenário norte-americano no ainda ótimo Terra de Sonhos (In America, 2002), o diretor entrou de vez na cultura dominante do cinema com Fique Rico ou Morra Tentando (Get Rich Or Die Trying, 2005), no qual escalou ninguém menos que o rapper 50 Cent para o papel principal, e Entre Irmãos (Brothers, 2009).

Difícil saber o que levou Sheridan, realizador consagrado já em seus primeiros filmes, a arriscar-se por um cinema mais comercial. O fato é que, como aconteceu milhares de vezes com outros cineastas, a máquina de Hollywood parece ter engolido o diretor, que há anos não consegue entregar um trabalho com qualidade semelhante à de seus primeiros esforços. A Casa dos Sonhos (Dream House, 2011), sua última realização, segue pelo mesmo caminho. Se os constantes atrasos em sua estreia já davam sinais de que o filme possuía problemas, os nomes envolvidos na obra ainda traziam uma sombra de esperança: afinal, além de Sheridan no comando, A Casa dos Sonhos ainda conta com um elenco talentoso, formado por Daniel Craig, Rachel Weisz e Naomi Watts, e o renomado Caleb Deschanel na fotografia. Infelizmente, nada disso foi capaz de tornar lógico ou ao menos aceitável o roteiro escrito por David Loucka, que tenta ser muito mais inteligente e profundo do que realmente é, tornando a experiência de assistir ao filme gradualmente exasperante.

A expressão "gradualmente" não é utilizada aqui de forma gratuita. A Casa dos Sonhos, em seus dois primeiros atos, ainda consegue oferecer elementos para o apreço do espectador. O principal deles remete àquela que é uma das maiores forças do cinema de Jim Sheridan: o sentimento de família. Seja no apoio dado pelos parentes a um deficiente, seja na relação entre pai e filho dentro da prisão ou na luta dos imigrantes irlandeses nos Estados Unidos, o cineasta parece se sentir à vontade quando aborda este tema, o que transparece em seu último trabalho. Os momentos envolvendo a dinâmica entre Will Atenton, sua esposa e suas filhas são os melhores do filme, transmitindo uma naturalidade e um sentimento que fazem com que a plateia até consiga se interessar pelos personagens, mesmo que o roteiro faça pouco para transformá-los em algo mais do que figuras unidimensionais - a identificação surge mais pelo trabalho de Sheridan e dos atores do que por ideias ou diálogos presentes no texto.

No entanto, este é um dos poucos acertos de A Casa dos Sonhos. Mesmo quando as cenas envolvendo o aspecto familiar funcionam, outras com o objetivo de sustentar o mistério que dá movimento à trama soam apenas estranhas. Claro que muito do que parece sem sentido em um primeiro momento acaba fazendo certa lógica a partir da metade do filme, mas, ainda assim, o roteiro exige muitas conveniências e, principalmente, boa vontade da parte do espectador para funcionar. É difícil acreditar, por exemplo, na sequência de Will com os policiais; enquanto na hora ela soa apenas bizarra, após certas revelações ela se torna simplesmente inverossímil. Como este problema se estende a outros momentos da produção, a narrativa jamais soa fluida, em uma mescla de artificialismo quando se trata do enredo e naturalidade quando a família está em cena.

Como se não bastasse, Sheridan, talvez pela sua inexperiência em um gênero como o suspense, demonstra mão pesada em determinados momentos, sem contar o fato de que se rende a clichês ocasionalmente. Algumas cenas, como aquela já citada envolvendo os policiais, jamais encontram o tom certo, enquanto o cineasta ainda derrapa na tentação de ceder aos momentos de sustos fáceis, que quase sempre são utilizados para mascarar o fracasso de não conseguir construir uma tensão gradual. Da mesma forma, e prejudicado também pelo roteiro, Sheridan não parece ser capaz de qualquer sutileza na forma como conduz suas cenas: já no início do filme o espectador percebe qual a grande reviravolta proposta pela trama e quem é o vilão – aliás, uma criação incrivelmente caricatural e quase aleatória.

Falando na tal reviravolta, por mais previsível que seja, é interessante o que Sheridan e Loucka fazem com ela: ao invés de guardá-la para o final, diretor e roteirista jogam-na na metade do filme. É algo raro no cinema comercial americano, uma vez que normalmente as narrativas são construídas para justificar a surpresa final – e, portanto, não deixa de ser um tanto ousado A Casa dos Sonhos seguir por um caminho oposto, buscando subverter essa expectativa. Por outro lado, como já dito, ela não apenas é fácil de antecipar, como também leva a uma pergunta crucial: o que virá depois? Infelizmente, essa não é uma pergunta que o filme consiga responder de maneira satisfatória. Parece não haver história para o terceiro ato, o que acaba levando à ridícula criação do vilão, tão absurda e rasa que parece ter sido desenvolvida unicamente com a intenção de preencher o tempo de filme – e talvez sejam os antagonistas mais incompetentes da história do cinema, já que não são capazes de fazer uma única coisa certa.

A partir do momento em que o segredo é revelado, há também uma tentativa de voltar o foco do filme para a situação mental de Will Atenton. O problema é que há uma tênue linha entre um personagem mentalmente confuso, porém bem construído, e outro apenas confuso. O protagonista, infelizmente, acaba se encaixando na segunda categoria. Jamais fica claro ao espectador o dilema pelo qual passa Atenton e nada exemplifica melhor essa falha do que o fato de o roteiro ser incapaz de esclarecer se a esposa e as filhas do protagonista são apenas alucinações ou fantasmas propriamente ditos. Afinal, a princípio, tudo parece se passar na mente de Atenton, inclusive pelo fato de ele ser o único a enxergá-las; no entanto, à medida que o filme se desenvolve, elas dão sinais de serem criaturas de ectoplasma: em certo momento, a personagem de Rachel Weisz começa a contar suas memórias do acontecido, como se realmente tivesse passado por aquele trauma, enquanto em outra cena ela consegue até mesmo tocar em um objeto.

Assim, mesmo trazendo elementos que remetem a O Iluminado (The Shining, 1980) e Ilha do Medo (Shutter Island, 2009), mas sem o talento de Kubrick e Scorsese na condução, A Casa dos Sonhos é uma obra confusa, incapaz de gerar tensão e, por vezes, até mesmo ridícula, que ainda desperdiça o bom elenco (Naomi Watts é quase uma coadjuvante). É uma pena ver alguém outrora confiável como Jim Sheridan ser completamente fagocitado pela máquina hollywoodiana.

Comentários (5)

Alexandre Cavalcante | sexta-feira, 11 de Novembro de 2011 - 00:07

"ainda desperdiça o bom elenco (Naomi Watts é quase uma coadjuvante)"

Devem ter colocado a Naomi só pra dar sorte, mas se nem ela salvou...

Marcus Almeida | sexta-feira, 11 de Novembro de 2011 - 10:52

Nossa, pena eu até gosto do Sheridan.

Lucas Michels | sexta-feira, 11 de Novembro de 2011 - 11:16

Acredito ser um bom cineasta. Terra de sonhos é o melhor que vi dele até agora.
Pra mim perdeu credibilidade depois de resolver contar a história de um bandido que se acha músico, o 50 Cent. Esse mundo louco as vezes dá importância (dinheiro) pra esse tipo de anomalia nociva à sociedade. Desde o título o filme é de mau gosto, "Fique Rico ou morra tentando".

Léo Talone | sábado, 12 de Novembro de 2011 - 21:12

Adorei a crítica. É bem próxima do que achei do filme.

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