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Críticas

Cineplayers

Charme e despretensão à francesa.

8,0

A Datilógrafa (Populaire, 2012) é uma daquelas comédias românticas singelas recheadas com os ingredientes básicos para funcionar com boa parte do público: algumas piadas distribuídas pelo roteiro, um casal protagonista carismático e de boa química e certos desencontros entre eles que servem de tempero ao andamento da narrativa. Dirigida pelo estreante em longas-metragens Régis Roinsard, a produção é ambientada no final da década de 50, mais especificamente no ano de 1958, em uma pequena cidade do interior da França. Ali, a jovem Rose Pamphyle (Déborah François) vive o sonho de levar a vida que deseja para si, e não a que seu pai tem planejado para ela. Como todas as outras de sua faixa etária, tem um caminho previsível à sua frente: casar com um homem de condição financeira estável e ter uma penca de filhos, destino nada atraente aos seus olhos. 

Disposta a ir além desse prognóstico, ela sai à procura de emprego em uma cidade vizinha, um pouco maior e mais populosa, e chega ao escritório de Louis Échard (Romain Duris), um segurador montado na arrogância que a contrata muito mais pelos dotes físicos que propriamente devido à sua eficiência como secretária. Na verdade, ela é a melhor alternativa em termos de beleza entre as candidatas ao cargo. E a inabilidade de Rose para exercer sua função rende algumas situações divertidas, como quando, sem ter onde anotar um recado para o chefe, acaba escrevendo as informações na palma da mão dele. Seu único talento, como ela mesma reconhece a certa altura da história, é com a datilografia: rápida como poucas, ela se destaca diante de uma máquina de escrever. 

Mas há um detalhe nessa destreza de Rose: ela só consegue teclar com alta velocidade usando os dedos indicadores, um resquício do tempo em que ainda estava aprendendo a usar a máquina. O que as outras fazem com as mãos inteiras, portanto, ela faz com apenas dois dedos. Atento a essa capacidade da sua funcionária, Louis propõe que ela participe – e vença – do concurso anual de datilografia da cidade, que não só premia a mais rápida como a torna credenciada para competir a nível nacional. A jovem aceita a proposta, muito mais por Louis condicionar sua permanência no emprego a isso do que por sua vontade de ganhar o tal concurso. É justamente quando ela começa sua preparação para o concurso, que inclui utilizar todos os dedos na digitação, que A Datilógrafa começa a engrenar. A relação de Rose e Louis ganha ares de disputa entre gato e rato, com clichês aqui e acolá bem administrados por Roinsard até a vitória final.

A verdade é que já vimos antes uma estrutura muito parecida em algum(ns) filme(s). Não há uma preocupação do diretor em inserir novidade à trama, mas em dialogar com uma premissa e um desenvolvimento caros a um gênero de apelo popular autenticado. Trata-se de um filme que une charme e despretensão com o toque inconfundível do humor francês, muito mais de sorrisos de canto de boca que de gargalhadas em série ou piadas que remetem à escatologia. O roteiro, escrito a seis mãos, preserva uma certa ingenuidade em seus personagens de forma bem dosada, sem deixar nenhum deles com jeito e aparência de ursinhos carinhosos, apenas leves e gentis o bastante para fazer jus à época em que vivem. E, ainda assim, Rose é uma protagonista um tanto à frente do seu tempo, que consegue ter uma vida em que a maioria das mulheres não poderia sequer pensar até então. Ela também é uma jovem de personalidade forte, que não abaixa a cabeça para as ordens de Louis e sabe fazer valer a sua vontade quando é o caso. Diante dessas características, ela acaba se tornando irresistível aos olhos dele, e também tende a ganhar a simpatia do público. 

O mérito também está, é claro, nos atores. A dobradinha formada por Déborah François e Romain Duris é mais do que acertada, sendo uma das grandes qualidades do longa. Brincando de morder e assoprar revezadamente, eles são dois bicudos que não se beijam, ainda que seus corações estejam ardendo de vontade de fazê-lo. Resistem, pelo menos, até certa altura. E esse desejo fica bem expresso nos olhares de ambos, cujos currículos trazem experiências distintas em termos de gênero. Para François, é a sua primeira vez em uma comédia romântica, e ela se sai muito bem como a heroína decidida. Um detalhe curioso é a sua forte semelhança física com Mia Wasikowska: ela lembra tanto a atriz de Inquietos (Restless, 2011) que chega a se confundir com ela.  

Felizmente, ambas são talentosas, cada qual a seu modo, e François se distancia cada vez mais da imagem de menina que tinha em A Criança (L’enfant, 2005), destilando,a cada cena, sua beleza belga. Duris, por sua vez, emplaca sua segunda investida no gênero – a anterior foi o bem-sucedido Como Arrasar um Coração (L’armacoeur, 2010) – e se reafirma como um dos intérpretes franceses mais requisitados e versáteis de sua geração, perdendo, talvez, só para Louis Garrel. Entre os coadjuvantes, Bérénice Béjo, alçada à grande fama com O Artista (The artist, 2011), também exala beleza e competência como o ex-amor e atual confidente de Louis. 

Em meio aos lugares comuns usados com moderação, a fotografia é outro aspecto bem pensado e cuidado de A Datilógrafa. Nota-se uma constante preocupação com a elegância e os matizes, que chamam a atenção em várias sequências, principalmente a da primeira noite de amor de Rose e Louis. Clicados por Guillaume Schiffman – também fotógrafo de O Artista – eles são vistos sob uma luz azul e outra vermelha, alternadamente, um reflexo dos letreiros luminosos que piscam incessantemente do lado de fora do quarto em que estão, tornando a cena uma das que oferece maior beleza plástica em todo o filme. Com isso, torna-se claro que estamos diante de uma produção caprichada e eficiente, que funcionará, sobretudo, para os amantes do lado mais classicista do amor, muito bem encampado por um hábil realizador novato.

Comentários (3)

Thiago Lopez | sexta-feira, 24 de Maio de 2013 - 21:56

Enorme vontade de ver esse filme. Excelente texto.

ADEMAR FERREIRA BESSA | sábado, 25 de Maio de 2013 - 09:38

🙂 Patrick, sempre muito eficiente em suas criticas, deixa-nos a vontade, para optar-mos ou não pelo filme em tela. Muito bom.

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