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Críticas

Cineplayers

Um filme que mostra sua protagonista aos poucos - e cuja tensão é passada através da música de Enio Morricone.

7,0

Seis anos depois do(a) irresistível Malena, Giuseppe Tornatore surge com uma outra mulher cuja história e caráter são um tanto distintos daquela personagem-título vivida por Monica Bellucci. A Desconhecida, que à base de flashbacks vai mostrando-se e acaba nos convencendo a torcer por ela.

De início podemos até pensar que ela pode ser duas, o que não deixa de ser um tipo de verdade pertinente à trama, pois ao mesmo tempo em que acompanhamos a viagem de trem dessa mulher a quem não conhecemos, vemos também uma espécie de concurso em que mulheres mascaradas são apresentadas como "objetos a serem escolhidos". Só quando a escolhida tira sua máscara, sabemos então tratar-se ambas da mesma personagem.

E assim seguimos meio cegos, tentando juntar as pontas daquele passado luminoso e "amarelo", porém sofrido, com a nova mulher que se apresenta, meio resignada, triste e escura como as roupas que usa. Mais interessante que isso é entender que ela tem um objetivo a cumprir, um passado a esconder, e uma bolada de grana dentro de um singelo vaso de plantas.

Mistério e suspense dão a tônica da trama, fazendo lembrar o bom cinema do mestre Hitchcock, salvo as diferenças autorais - que são notórias - no trabalho dos dois diretores. Ah, bom frisar que apesar de perceber um quê hitchcoquiano na trama, o filme não busca clichês que o façam parecer uma mera "cópia". Ele segue seu rumo próprio, costurado pela música de Enio Morricone que, aliás, mostrou-se como forte personagem da história para mim, já que assisti ao filme numa sala de cinema cujo sistema de som foi chancelado com o selo THX da Lucasfilm, e é impressionante como alguns sons parecem estar pipocando bem na sua orelha, e foi inevitável não olhar para os lados todas as vezes que a música explodia junto com a tensão do filme, pensando que algo além da projeção estava ocorrendo naquela sala escura.

Mas e a trama, afinal? Nesse texto a personagem ainda nem tem nome... Irena (Kseniya Rappoport) é uma ucraniana que vai a uma específica cidade da Itália e começa a cercar com sua existência a vida de uma família, não medindo esforços e esquecendo-se de quaisquer escrúpulos para fazer parte do cotidiano deles. Começamos pensando que ela pode estar interessada em dar um golpe, já que Valeria Adacher (Claudia Gerini) – a mãe da dita família – tem seu atelier de ourivesaria na própria casa e roubá-la significaria encher os bolsos de jóias. Mas assim que vemos a menina Tea (Clara Dossena) percebemos que ela é o nó da história.

Não se precipite em palpites, pois por mais óbvio que seja, vendo através do passado aquela mulher se prostituir e sair lá de muito longe atrás de uma criança, é fácil acreditar que ela seja a mãe que está ali unicamente para "pegar sua filha de volta" e partir, algo como "tchau-fui"! A coisa é bem mais complexa do que isso, e eu mesma contei: propus três soluções para toda aquela confusão na vida de Irena. E no final, acertei apenas metade em uma das minhas mirabolantes propostas...

Infelizmente, prolongar-me em detalhes seria estragar o melhor do filme, aquela angústia de entender e prever o que mais pode acontecer àquela moça. Além de todos os absurdos que aquele suposto cafetão a faz passar; além de vê-la naquele lixão sem entender bem o que ela pode estar procurando; além de vê-la quase matar alguém.

Kseniya Rappoport se divide muito bem entre antes e depois, sendo ainda a mesma, criando uma personagem que nasce mais frágil do que a vemos em seu final, depositando esperança na crença cega de renovar a própria vida, e só acumulando mais e mais erros. A personagem da menina Tea, tão carismática quanto qualquer personagem infantil de Tornantore, traz os momentos suaves da história, sem escapar de sua parcela de "dureza" no decorrer do filme, e também merece destaque.

Um filme que escorrega um pouco fora da normalidade dos filmes em cartaz, com bons ingredientes a serem degustados e uma crítica a práticas de subjugação humana que infelizmente devem ser mais comuns do que imaginamos.

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