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Críticas

Cineplayers

Uma das melhores adaptações de um material de Stephen King.

9,0

Stephen King já foi um dos queridinhos de Hollywood no que concerne em levar livros e contos potencialmente populares para os cinemas. Diversas das histórias concebidas pelo autor ganharam a tela grande, algumas se firmando como clássicos do gênero horror e fantasia, estilo no qual King costuma se prender. Carrie - A Estranha é tido como um dos mais brilhantes filmes do diretor Brian De Palma; Stanley Kubrick fascinou o público e despertou o desgosto do autor com sua versão de O Iluminado; Christine - O Carro Assassino ganhou ares de cult pelas lentes de John Carpenter; Louca Obsessão  foi capaz de render o Oscar de melhor atriz para Kathy Bates; e Um Sonho de Liberdade encantou plateias mundo afora ao ser adaptado por um ainda iniciante Frank Darabont.

Foi justamente Darabont o responsável por dar vida a um dos romances mais peculiares de King, o fantasioso À Espera de um Milagre, uma das poucas histórias do autor onde o suporte não está no horror ou no bizarro, mas no lado mais humano e emocional da história. E Darabont parecia ser o nome ideal para levar a produção adiante, uma vez que sua visão sensível e delicada fora uma das principais razões para que o já citado Um Sonho de Liberdade se tornasse tão amado e aclamado. E pelo que nos mostra a história, o resultado deu certo: apesar de suas três horas de duração, o filme foi sucesso de bilheteria, agradou gregos e troianos, ganhou algumas indicações ao Oscar daquele ano (embora não tenha levado nenhum prêmio) e é apontado por muitos como um dos grandes títulos dos frutíferos anos 90.

À Espera de um Milagre talvez tenha sido uma das adaptações mais extensas e complexas de uma história de Stephen King, mais pelo fato de que esta é uma de suas criações mais intimistas e sombrias. Enquanto que Um Sonho de Liberdade era um feel good movie carregado de sentimento e honestidade no retrato de uma amizade construída dentro de um cenário opressor, À Espera de um Milagre utiliza o mesmo cenário para contar uma história repleta de personagens que, devido a realidade em que vivem, não são capazes de enxergar a luz no fim do túnel para a salvação do ser humano e seus atos impensáveis. Narrado em forma de flashback, conhecemos aqui o guarda Paul Edgecomb (Tom Hanks), que trabalha no corredor da morte de uma prisão chamada “The Green Mile” durante os anos 30, junto com outros companheiros. Num certo dia, um prisioneiro aparentemente cruel e intimidador é enviado para a prisão, acusado de matar e estuprar duas garotinhas. Ele é John Coffey (Michael Clarke Duncan), um homem de aparência assustadora, mas que logo se revela um sujeito dócil, inocente, quase uma criança no corpo de um adulto. E é conforme Paul vai se aproximando do novo prisioneiro que personagem e espectador vão descobrindo que Coffey é muito mais do que aparenta.

Algo a ser ressaltado sobre À Espera de um Milagre é a, aparentemente, extrema simplicidade de seu roteiro. Mocinhos e vilões, bons e maus, tudo desde o início parece ser extremamente definido, o que talvez dê a impressão inicial de que seja um filme maniqueísta. E Darabont não faz nenhum esforço para modificar esta primeira imagem de sua história e personagens, pois o mesmo sabe que há muito mais por trás daquelas facetas. Assim, a primeira hora do filme é calcada num ritmo lento e gradativo, onde o roteiro vai nos habituando à situação e aos personagens, permitindo que o público vá conhecendo cada um dos rostos na tela, o que gera um impacto ainda maior nas cenas de maior dramaticidade, uma vez que ele já está habituado aos personagens e se preocupa com os mesmos.

Um dos principais méritos do filme (e boa parte deles é devido ao trabalho de composição cuidadoso de Darabont) é não permitir que as sequências de maior apelo emocional resvalem no melodrama, algo que um diretor com menos personalidade certamente teria permitido acontecer. Em À Espera de um Milagre, as lágrimas e a emoção brotam naturalmente, sem que haja necessidade de alguma trilha chorosa no volume máximo ou do overacting por parte do elenco. São três horas carregadas de uma autenticidade única.

A interação e os conflitos entre os guardas e prisioneiros da “Milha Verde” (tradução literal de Green Mile) é outro fator importantíssimo para o efeito de À Espera de um Milagre sobre o público. King e Darabont, como já apontado, criam personagens extremamente bem definidos entre o bem e o mal, mas constroem imagens pouco convencionais para tais representações. Os principais exemplos são justamente John Coffey e Percy Whitmore, personagem malévolo de Doug Hutchison: o primeiro é alto, imponente, de postura ameaçadora, mas que no fundo é um sujeito que transborda bondade e gentileza (e o fato do personagem ser negro também serve como uma alfinetada na visão preconceituosa daquela época sobre as pessoas dessa cor); já o segundo, apesar de sua baixa estatura e físico franzino, mantém um olhar cruel na maior parte do tempo, divertindo-se com os maus tratos aos prisioneiros e revelando-se capaz de atos absolutamente cruéis (um dos principais desafios é sair incólume de uma pesada cena de execução). Tudo isso para que Darabont fale sobre a ignorância do ser humano e sua estúpida confiabilidade nas aparências, um costume ainda comum nos dias de hoje.

Outro ponto curioso sobre À Espera de um Milagre é a força com que o falecido Michael Clarke Duncan conseguiu enraizar imagem e personalidade de John Coffey em nossas mentes. A história é claramente sobre Paul Edgecomb, mas Duncan engole o filme para si em diversos momentos graças a sua composição absolutamente sincera e verdadeira sobre um dos “milagres de Deus”, como o personagem é apontado em determinado momento. A ingenuidade de Coffey é extremamente tocante graças à presença iluminada do ator, e assim fica impossível não se emocionar com um dos últimos pedidos de Coffey antes de sua execução. Tom Hanks, na época já com seus dois prêmios Oscar na estante, enche Paul Edgecomb de gentileza e carisma, funcionando como a principal ponte do vínculo entre o público e o clima iminente da morte que rodeia o cenário da prisão. David Morse tem participação discreta, mas funcional como Brutus Howell, o já mencionado Doug Hutchison impressiona com a vilania e repulsa de seu Percy Whitmore e Sam Rockwell também se destaca como o lunático Wild Bill.

E quando os créditos finais surgem, após exatos 182 minutos (que passam como se fosse metade deste tempo), o que fica não é apenas as lágrimas e um sentimento dilacerante no coração do público, mas também a certeza de que À Espera de um Milagre é uma das melhores adaptações de um material de Stephen King, onde fica difícil passarmos com indiferença. E mesmo após estes anos, é um filme que ainda mantém sua força e relevância em tocar e emocionar quem o assiste.

Comentários (8)

Pedro Degobbi | sábado, 18 de Abril de 2015 - 22:46

Tentei não chorar com o final desse filme... falhei.

Yuri Mariano | sábado, 25 de Abril de 2015 - 03:40

Ótima crítica Rafael! Sthephen King é um dos meus autores favoritos, e a maioria das adaptações se tornaram clássicos do cinema.

Yuri Mariano | sábado, 25 de Abril de 2015 - 03:41

Nossa como eu chorei assistindo este filme.😢

Matheus Gomes | sábado, 24 de Fevereiro de 2018 - 23:18

Filme absolutamente incrível!

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