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Críticas

Cineplayers

A peregrinação e a imigração.

6,5
A naturalização evidente das atuações e os temas humanistas que levam a diferentes discussões sociais são características do cinema dos cultuados irmãos Luc Dardenne e Jean-Pierre Dardenne. Com este A Garota Desconhecida, a dupla discute imigração. Tem uma talentosa protagonista, Adèle Haenel, oriunda do extraordinário L’Apollonide – Os Amores da Casa de Tolerância (L'apollonide - Souvenirs de la maison close, 2011) e um texto que depende da atuação para funcionar. E funciona muito bem quando centrado em sua personagem principal, Jenny. Mas a coisa toda não vai tão bem como em alguns de seus filmes anteriores, tal como o recente e ótimo Dois Dias, Uma Noite (Deux Jours, Une Nuit, 2014).

Em Dois Dias, Uma Noite, Sandra, vivida por Marion Cotillard, vagava de casa em casa tentando convencer alguns colegas de trabalho a votarem a favor dela, para a manutenção de seu emprego. Em A Garota Desconhecida, seguiremos Jenny, uma médica que decide investigar um assassinato e passa a vagar por bairros entrevistando diferentes pessoas a fim de encontrar a identidade de uma mulher imigrante africana morta próximo ao consultório onde trabalha. De bairro em bairro em Liège, encontra pistas que contribuem com sua busca, mas também encontra resistência. É como se ali todos fizessem vista grossa por sua motivada investigação, o que lhe rende desavenças com a polícia local e com moradores imigrantes da periferia.

O filme se mantém num ritmo que transparece mistérios num cenário de incertezas e inseguranças, como se o martírio da busca não fosse acabar e seria apenas mais um caso de indigência, já que ninguém parece querer colaborar. A força da história não está exatamente na procura desenfreada por um nome, mas na maneira com a qual Jenny lida com suas poucas pistas e na insistência desta para com alguns de seus pacientes, os quais julga saber de alguma coisa. A intensidade é medida em seu enfrentamento a alguns homens, uma provocação que lhe rende prejuízos, pois sua motivação é moral. É nessa motivação que o roteiro se estabelece, pois quando centra em sua protagonista, funciona e se desenvolve muitíssimo bem; mas quando divide atenção abrigando outros temas, se distancia de seu foco e perde-se.  

É um típico drama de rotina dos Dardenne com cenários simples e claros, como um dia qualquer. O filme inicia apresentando os atendimentos a domicílio da médica, como a visita a um paciente com câncer que lhe surpreende com um presente encantador. Um início bonito que logo oferece alguma dimensão a personagem, identificando algumas características éticas que esta segue a risca, buscando manter certo distanciamento emocional. A empatia é um desafio. Essa é a razão de uma futura discussão com um estagiário. E é com ele que ela estava no consultório quando a campainha tocou e Jenny escolheu não atender por estar fora do horário de expediente. Na manhã seguinte, a visita de um policial dizendo que a pessoa que tocou a campainha buscava por ajuda e que foi morta perto dali, nas margens do Rio Mosa. A culpa se manifesta. 

Os irmãos insistem em retratar o drama pessoal e dilema moral vivido pela personagem de Adèle Haenel. Ela é sempre interessante em suas indagações, atenta e corajosa em sua peregrinação. Um médico trabalha para curar. Jenny se responsabiliza pela morte da garota desconhecida, pois acredita ter a deixado morrer. A moral de sua rejeição em atender a porta não é questionável, mas suas atitudes frente às consequências disso são. Parece inevitável fazer a leitura de que os Dardenne querem mesmo é discutir sobre os refugiados que estão chegando à Europa e alguns países não estão abrindo as portas para eles, deixando que morram em seus entornos. 

Visto na 40ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo

Comentários (2)

Patrick Corrêa | sábado, 04 de Março de 2017 - 14:21

Gostei demais do texto, embora tenha achado o filme um pouco melhor do que seu autor.
Parabéns, Marcelo!

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