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Críticas

Cineplayers

Filme merece o desprezo pelo qual foi recebido por conta de suas escolhas tanto éticas quanto cinematográficas.

5,5

A Hora Mais Escura (Zero Dark Thirty, 2012) é um filme longo, que se faz sentir as suas duas horas e quarenta minutos de duração (o máximo suportável pelo circuito exibidor hoje em dia, ao que parece). O problema é a primeira hora, um infindável apanhado da escalada do terror propagado por Osama Bin Laben, com a reconstituição de um atentado em Londres e vários, inúmeros outros, com bombas explodindo a cada cinco minutos – dos grandes, só deve ter ficado de fora o de Madri, apenas citado. Parece que a diretora, Kathryn Bigelow, e o roteirista, Mark Boal (ambos são também os produtores do filme), quiseram lembrar ao público o quanto o terrorista Bin Laden foi “importante” e assim dar um peso extra ao trabalho. Tudo bem, mas excederam-se.

É nessa famigerada primeira hora que estão também as duas cenas de tortura, sendo que a primeira, que abre o filme, tem inaceitáveis, redundantes e desnecessários 22 minutos. Se os criadores quiseram mostrar o horror que foram as prisões americanas no Afeganistão na sua luta implacável e desmesurada a Bin Laden, erraram mais uma vez, pois a cena demora tanto que notamos um certo fascínio naquilo tudo. Mostra-se o preso sendo torturado defecando na roupa e, depois, mostra-se suas nádegas sujas de excremento. Passeiam com ele acorrentado como se fosse um cachorro. Há certas justificativas por parte do torturador: “Vou te tratar da maneira que você decidir: dê-me os nomes e você está livre”, como se fosse o torturador estivesse sendo obrigado a fazer aquilo.

Não à toa muita gente viu o filme como uma apologia à tortura e propaganda da CIA (o Serviço Secreto dos Estados Unidos). Não é o caso de sermos moralistas aqui, mas a excessiva duração da cena, seus insistentes detalhes, sua justificação podem dar a entender que, se os criadores quiseram manter-se neutros, erraram a mão – difícil crer que Bigelow e Boal fariam um filme sórdido e revisionista sobre o período, defendendo o governo Bush e seus excessos pós-11de  setembro. Sem contar que há uma segunda cena, com a heroína, Maya, interpretada por Jessica Chastain, de véu cobrindo a cabeça, ela mesmo comandando uma outra sessão de tortura, já totalmente “à vontade” no trabalho.

Depois desse penível começo (que, para muitos, arruína o filme), Zero Dark Thirty engata e transforma-se num filme de ação um tanto quanto banal, com o jeitão brucutu de Bigelow fazendo mais bombas explodirem, matando personagens e estourando os ouvidos do público. Bigelow não é uma autora tradicional: ela interfere pouco nas cenas, seu estilo é 100% Hollywood, de contar uma história da maneira mais eficiente possível, de forma que o filme, nos seus melhores momentos, é tão-somente um anódino filme de guerra, sem grandes reflexões, mas com espaço para o humanismo, é verdade. Há beleza sim nas cenas dos helicópteros se dirigindo para a fortaleza onde estaria Bin Laden, como a explosão do hotel Marriot também é impressionante. Mas a impressão final é de que Bigelow não conseguiu dar conta de todo o material que tinha em mãos e deixou vários pontos escaparem de seu controle, a ponto de serem mal compreendidos.

Outra furada do filme é a atriz, uma canastrona – a interpretação de Jessica Chastain é tão ruim que foi coroada com uma indicação ao Oscar. Obcecada com Bin Laden, uma infeliz que por 12 anos não fez outra coisa senão perseguir o infeliz, a tal personagem não tem família, amigos, namorados, nada. De tão mal concebida, some por vários minutos no filme, volta sem razão aparente, está em certas cenas de maneira desnecessária (e constrangedora, como na “Eu sou a filha da puta que achou esse lugar, senhor”) e, no final, quando finalmente vê o cadáver do seu algoz, a cena redunda vazia. Pelo menos  a diretora segurou a mão e não fez nada apelativo, felizmente – a revista Hollywood Reporter disse que Bigelow e Boal brigaram o tempo todo durante as filmagens, e que Chastain, não sabendo quem deveria seguir, teria ficado perdida.

Não só Chastain fica perdida: o público também. Na sua tentativa, digamos, de fazer um filme de guerra-ação bem-sucedido, a dupla Bigelow-Boal extendeu-se demais para que ele fosse realmente excitante ou instigante, e o distanciamento proposto, deixando questões éticas de lado, talvez no intuito de fazer um filme para um público o mais amplo possível, à direita e à esquerda, para politicamente interessados e para os que buscam apenas diversão, acabou não só enfraquecendo o resultado final como também deixou um flanco aberto a todo tipo de crítica. É o famoso tiro no pé: lembramo-nos da beleza de algumas cenas, da eficiência da direção, mas um enorme “E daí?” é o que realmente fica na cabeça. Não há uma só explicação de o porquê dos ataques da Al-Quaida, somente relatos dos incidentes – e olha que eles foram buscar mesmos alguns menos conhecidos, como na Indonésia e Arábia Saudita, além de um fracassado ao Times Square. Contra o mal absoluto, tudo é possível, a o uso da força tem de ser avaliado, é o que parece dizer Bigelow-Boal. É o máximo que eles chegam.

Engraçado, essa A Hora Mais Escura: quanto mais funcional ele é, mais eficiente é sua narrativa, mais realista é sua mise-en-scène, mais oco ele se torna. Ao sacrificar tudo pela ação, com os cortes rápido, câmera na mão, reconstituição minuciosa (até mesmo a vida pessoal da personagem principal desaparece), diretora e roteirista só conseguiram fazer um filme superficial, pois tiraram o foco daquilo que todos queriam ver. Não convenceu de que a perseguição a Bin Laden e sua posterior morte foram mais importantes do que os métodos utilizados na sua localização. É isso o que dá reduzir o cinema a simples diversão: tiro pela culatra. Bem feito: merece todo o desprezo no qual foi recebido. “Saiu na chuva é para se queimar”, como diria o ditado bem brasileiro.

Comentários (51)

Marcelo Mello | sexta-feira, 17 de Maio de 2013 - 18:58

Excelente crítica. O filme de fato tem esses problemas e a atuação é sofrível.

Alexandre Marcello de Figueiredo | sexta-feira, 07 de Junho de 2013 - 20:17

O filme não é tão ruim assim. Algumas sequências eu gostei, outras achei confusas, quanto a Jessica Chastain poderia pôr uma atriz melhor.

Gustavo Santos de Araújo | domingo, 16 de Junho de 2013 - 01:40

Jodie Foster ou Tilda Swinton seriam adequadas para o papel principal.Filme bom, entretenimento mediano, com algumas cenas tensas e bem filmadas( destaque para o realismo da equipe de militares na caçada.)..Jessica não funciona 100% chega a no máximo 60%

Karlos Fragoso | quarta-feira, 31 de Julho de 2013 - 11:17

Acho um bom Filme pelo realismo dos fatos, porém, o ritmo é muito arrastado. Excessivamente longo, empolga mesmo apenas nos 50 minutos finais. Ficou abaixo de Guerra ao Terror!

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