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Críticas

Cineplayers

Menos erudição e mais cinema.

6,0
Mesmo com um carreira relativamente curta e, por enquanto, de apenas 6 longas-metragens, o nome de Paolo Sorrentino raramente deixou de constar nas mostras competitivas dos grandes festivais internacionais de cinema da última década. Ainda assim, foi apenas a partir do sucesso de A Grande Beleza que ele adquiriu o status artístico e o cacife financeiro suficiente para fazer o filme que lhe desse na telha. Toda esta liberdade criativa é materializada em imagens com A Juventude, projeto que parte da história de dois idosos, um maestro aposentado e um cineasta em bloqueio criativo, para abordar, entre vários outros, o tema do envelhecimento e da proximidade da morte. Se de um lado a opção de Sorrentino pode parecer estranha e fácil demais (o roteiro guarda mais semelhanças com A Grande Beleza do que o recomendado, e sua estrutura, ainda que sob o verniz de filme de arte, se serve da fórmula já conhecida do buddy-movie), de outro, há muita coisa a se admirar neste seu novo trabalho. 
 
Assim como fez nos últimos 20 anos, o maestro e compositor Fred Ballinger (Michael Caine) está passando suas férias num suntuoso spa aos pés dos alpes suíços. Já aposentado do seu ofício, mas ainda lembrado por seu legado musical, ele alterna seus dias entre a leitura do The Guardian, sessões de massagens, e passeios pelas alamedas e jardins locais. Mesmo com todas as pressões em sentido contrário, Ballinger nunca voltou atrás na sua decisão de se afastar do mundo das artes. A mais recente tentativa de convencê-lo a erguer novamente batuta vem de ninguém menos que a própria Rainha da Inglaterra, que, em homenagem ao marido aniversariante, pretende contar com Ballinger na condução e apresentação da sua composição mais conhecida, Simples Songs. 

Ao lado de Ballinger gravitam outros personagens, como sua filha e assistente Lena (Rachel Weisz), que acaba de ser trocada pelo noivo por uma cantora pop; seu amigo e cineasta Mick Boyle (Harvey Keitel), que, ao lado de outros jovens roteiristas, finaliza seu filme-testamento que será dedicado à sua musa Brenda More (Jane Fonda); e o ator Jimmy Tree (Paul Dano), que usa a paz proporcionada pelo spa como preparação para o seu próximo trabalho. Co-habitam o mesmo espaço outras figuras, como um guru espiritual que jura ser capaz de levitar, um ex-jogador de futebol (uma óbvia referência a Maradona), um casal que não troca nenhuma palavra durante o jantar, a miss universo, e um alpinista com feição de lenhador. É desse universo, ao mesmo tempo real e simbólico, que A Juventude extrai sua força – e também sua fraqueza.

Talvez o que mais prejudique os trabalhos de Sorrentino, seja a necessidade constante, quase obsessiva, de querer parecer mais erudito e profundo do que realmente é. Já era possível notar nas suas obras anteriores esta busca pelo “grande tema” e pelo posicionamento como um homem afeito às “grandes artes”: As Conseqüências do Amor e O Amigo de Família eram comédias de costumes que apresentavam uma visão bastante irônica da sociedade italiana da primeira década do anos 2000, mas não deixavam de ser vôos rasantes. A partir de O Divo a coisa ficou mais séria, tanto na temática (a Itália passou a ser vista não a partir de crônicas inofensivas, mas sim pelo ponto de vista do crime organizado), quanto no estilo de filmagem (sua câmera se tornou muito mais inquieta, e travellings, panorâmicas, e outros recursos técnicos voltados a extrair o máximo de cada plano, viraram uma marca do diretor), o que, inclusive, lhe rendeu comparações com Martin Scorsese (de fato, a semelhança de O Divo com Os Bons Companheiros não é mera coincidência). Para Sorrentino, no entanto, a aproximação com Scorsese não bastava e, em busca de algo mais “artístico”, ele encontrou no nome de Wim Wenders o que procurava. Daí surgiu Aqui é o Meu Lugar, seu primeiro longa falado em inglês, e claramente inspirado em Paris, Texas. Mas Wim Wenders ainda era insuficiente e Sorrentino se serviu das lições de Fellini, especialmente A Doce Vida e Roma de Fellini, para realizar A Grande Beleza, certamente seu trabalho de maior repercussão internacional e que o tornou conhecido além dos limites da Bota. Finalmente, A Juventude ainda bebe na fonte de Fellini (desta vez em 8 ½), mas suas referências vão além, em particular na escrita de Thomas Mann (a ambientação no spa remete a A Montanha Mágica e Morte em Veneza) e no cinema de Luchino Visconti (o tema da decadência e da busca pelo belo). 

Toda esta influência de Sorrentino na alta cultura é bem vinda. É evidente que ela enriquece e acrescenta novas camadas aos seus filmes, que revelam novos tesouros a cada revisão. Mas quando esta erudição se excede e atravanca o ritmo e a proposta geral da obra, o caldo começa a entornar. Esse sintoma já era perceptível em A Grande Beleza, que parecia querer alçar voos mais altos do que a obra era capaz de sustentar. No final das contas, o saldo era positivo muito por causa do seu protagonista Jep Gambardella, cujo visão cínica e desesperançada da vida contribuía para atenuar o peso e as pretensões do filme. 

Já em A Juventude, essas referências mais atrapalham do que ajudam. Sorrentino constrói cada cena como se fosse um clímax, um grade epílogo. Há uma busca constante pela epifania. Os diálogos trazem verdades absolutas sobre a vida, amor, relacionamento entre pais e filhos, envelhecimento, arrependimento e tantos outros temas. A rigidez e o desânimo de Ballinger e Mick perante à vida, que se contrapõe à acidez de Gambardella, acentua o tom de autoajuda e de lição de moral. Além disso, os assuntos não são costurados de forma orgânica dentro da narrativa, o que, a certa altura, torna o filme episódico e esquemático. 

Além de não dar conta de tanta ambição, Sorrentino perde um tempo precioso com subtramas que, a rigor, não levam a lugar nenhum ou não são devidamente exploradas. Um exemplo é a figura do guru que passa o filme inteiro em busca da elevação espiritual. A desconfiança que Ballinger demonstra com a efetividade daquela reza indica que o roteiro guarda uma função para aquele personagem, mas que ao final não se confirma. Por sua vez, a referência a Maradona, não se conecta à história em nenhum momento. Há também o ressentimento de Lena com pai, acusado de sempre priorizar a música em detrimento da família, que é esquecido tão logo vem à tona. Outro pequeno plot que não atinge todo o seu potencial é a recordação de uma disputa amorosa ocorrida na adolescência dos protagonistas. Mesmo as críticas ao mundo das celebridades, simbolizado nos clipes da cantora Paloma Faith, que interpreta a si própria, e ao cinema, cada vez menos inteligente que a televisão, parecem pertencer a outro filme. 

Apesar dos pesares, A Juventude funciona em vários outros aspectos. De cara, já se percebe a fina ironia do título. Sorrentino aborda o envelhecimento e a proximidade da morte justamente pelo caminho inverso: a busca pela juventude, entendida esta não como um valor necessariamente atrelado à idade cronológica dos personagens, mas sim de entusiasmo pela vida. Mais que sessões de massagem, horas a fio em saunas a vapor, e refeições saudáveis, os hóspedes do spa querem reencontrar a alegria de viver perdida em algum momento do passado e por circunstâncias variadas. Em certo sentido, todos ali são mortos-vivos, zumbis em vida, que anseiam pelo fim do invisível e inconsciente estado vegetativo que os cercam.

Ballinger, por exemplo, não encontra mais motivação para voltar ao mundo da música, e nem um convite da Rainha é capaz de demovê-lo desta decisão. Sua apatia é visível. A interação com outras pessoas é menos interessante do que com os animais do spa, com quem ele simula uma regência imaginária. Mick, por sua vez, enquanto procura o final perfeito para o seu mais recente filme, lamenta o amor não correspondido por sua musa das telas. Lena vaga aos prantos pelo hotel em busca de uma resposta para o inesperado e abrupto fim do seu noivado. E Jimmy Tree, um verdadeiro poço de ressentimento por não ser reconhecido pelos fãs por seus papeis mais importantes, se vê num dilema ético em relação ao seu próximo personagem. A redenção destas pessoas virá da percepção individual de que um movimento precisa ser feito, de dentro para fora (como o médico de Ballinger diz: “Sabe o que você encontrará fora do spa? A juventude!), literalmente um pulo no vazio, até mesmo sem corda se necessário. O excesso de temas que o filme pretende abraçar, de fato, joga contra, mas essa rica camada psicológica equilibra as coisas, e A Juventude fica com crédito na praça.

Sorrentino costuma ser chamado por seus críticos mais ferozes de maneirista e exibicionista, tal a sofisticação (frescura para alguns) dos seus planos. Não compartilho desta opinião. Ante disso, vejo um estilo bastante pessoal, uma plasticidade, e um aproveitamento do espaço cinematográfico bastante raro nos dias de hoje. Há várias belas cenas para se admirar: o primeiro diálogo entre Ballinger e o oficial de cerimônias do palácio real, em que Sorrentino vai expandindo o ângulo dos planos e a geografia da sequência revela outros participantes passivos até ocultos da conversa; a contraposição das mesas de massagem, que simbolizam o desequilíbrio da relação entre pai e filha logo após algumas delicadas revelações do passado virem à tona; a longa e interessante troca de idéias entre Ballinger e Jimmy, que se encerra no exato momento em que os atores desaparecem por trás das árvores; a confrontação imaginária entre Mick e os personagens femininos que ele mesmo criou. A Juventude pode até não dar conta de todas as idéias tratadas nestas passagens, mas a beleza e a elegância da encenação não deixam dúvidas. Sorrentino é, sim, um cineasta diferenciado. 

O elenco é dos mais afiados. Michael Caine volta a ter um personagem à sua altura e, com um atuação calculadamente minimalista, ele nos lembra o quanto é bom. Harvey Keitel encara um papel mais próximo de O Piano do que as parcerias com Scorsese ou Ferrara, e se sai muito bem, no mesmo nível de Caine. Weisz defende um personagem ingrato, mas o seu belo monólogo na sala de massagem mostra que ela também é fera.  Paul Dano, numa pegada mais indie, prova que precisa ser mais reconhecido do grande público. E a felliniana Jane Fonda, mesmo com pouco mais de 5 minutos em cena, como sempre deixa sua marca (chegou a ser indicada ao Globo de Ouro de Melhor Atriz Coadjuvante pelo papel).
 
De certa forma, A Juventude pode ser visto como uma extensão de A Grande Beleza, já que os pontos de contato, temáticos e estilísticos, são muitos. Ainda que a sensação de déjà vu incomode um pouco, esse não é o grande problema da obra de Sorrentino. A Juventude sofre, sim, de uma obsessão de querer parecer importante, de ditar regras e frases feitas, de explicar os grandes segredos da humanidade, enfim, de tentar ser mais profundo do que realmente é. Tivesse focado apenas no cinema, o resultado certamente seria mais satisfatório. Às vezes, menos é mais.

Comentários (4)

Pedro Henrique | sexta-feira, 15 de Abril de 2016 - 21:38

Ótimo filme ! Um dos melhores do ano passado

Leo | domingo, 17 de Abril de 2016 - 02:34

O pretensiosismo de tentar fazer cada cena uma obra prima torna o filme cansativo, nada alcança nada porque o filme parece perdido nele mesmo. Não que seja ruim, ainda sim é um filme bom...

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