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Críticas

Cineplayers

A Lenda de Beowulf não é um filme ruim, mas deveria ter sido feito não como uma demonstração técnica.

6,0

Robert Zemeckis sempre gostou de brincar com a tecnologia. Desde Uma Cilada para Roger Rabbit, passando por A Morte lhe Cai Bem e Forrest Gump, o cineasta foi responsável por diversas inovações no campo dos efeitos especiais. O Expresso Polar, seu último trabalho, apresentou ao mundo uma novidade chamada “performance capture”, na qual a interpretação de atores é captada em mínimos detalhes, sendo transposta, em seguida, para a animação – uma explicação leiga e sintética, que fique claro.

A Lenda de Beowulf é a segunda obra de Zemeckis que utiliza esta nova tecnologia. Escrito por Neil Gaiman e Roger Avary, o filme é a adaptação de um dos mais famosos poemas da língua inglesa, de autor anônimo. A história começa com uma festa do rei Hrothgar sendo destruída por Grendel, um demônio que apavora a cidadela. Quando o rei estipula uma recompensa para quem acabar com o monstro, surge o guerreiro Beowulf e seu grupo. Eles matam Grendel, o que desperta a fúria da mãe do demônio, que parte em busca de vingança.

Admito jamais ter lido o poema no qual o filme é baseado, portanto, não posso afirmar se Gaiman e Avary foram fiéis à obra original. No entanto, é indiscutível que o enredo peca em diversos aspectos. O primeiro deles é o fato de que, para uma história que se julga épica, pouco acontece neste sentido. Durante praticamente toda a sua duração, a narrativa se passa em dois cenários, o poço onde vive o demônio e a sala de festas. É um alcance limitado demais para as intenções da trama. Na realidade, a única batalha verdadeiramente épica que ocorre não chega a tomar um minuto de A Lenda de Beowulf.

Além disso, o roteiro acaba deixando diversas subtramas e personagens pela metade, como se a intenção fosse apenas fazer constar algumas partes do poema, e não construir uma história coesa. É o caso, por exemplo, da história envolvendo a amante de Beowulf, uma perda de tempo que não leva a lugar algum. Observação semelhante vale, também, para Unferth, personagem de John Malkovich que, sem qualquer razão aparente, cria antipatia em relação ao protagonista e, mais sem razão ainda, torna-se amigo deste na segunda metade da obra.

Por outro lado, os roteiristas e Zemeckis apresentam um interessante arco dramático para o protagonista. O Beowulf visto ao final da produção não é, definitivamente, o mesmo do início. No começo, o personagem é corajoso, bravo, ainda que fraco e com falhas de caráter. Na segunda metade, Beowulf é um líder ainda imponente, mas atormentado pelas escolhas que fez no passado. É uma profundidade bem-vinda à obra, mesmo que o salto no tempo que o filme dá não permita ao espectador acompanhar esta jornada.

Mas, apesar de trazer a qualidade de ser um personagem com profundidade, Beowulf é um dos maiores problemas da obra. Isto pelo fato de que o guerreiro/rei não é uma pessoa fácil de gostar. Não há identificação alguma entre ele e o público, e é difícil torcer ou ao menos se importar por alguém pelo qual não se tem a menor admiração. Como resultado, a emoção em A Lenda de Beowulf é praticamente nula, mesmo em cenas como mortes de personagens importantes ou nas ótimas cenas de ação.

E aí mora a maior qualidade do filme. Tecnicamente, a obra é impecável. O processo de “performance capture” permite a Zemeckis dar asas à sua imaginação sem limites, em cenas visualmente estarrecedoras. Os embates de Beowulf com Grendel e o dragão, por exemplo, são dirigidos de forma exemplar por Zemeckis, comprovando que é um ótimo diretor de ação. No entanto, se as cenas são empolgantes, elas não chegam a ser tensas, exatamente em função da falta de identificação entre o público e o protagonista. O espectador acompanha e até se diverte nestes momentos, mas jamais chega a ficar nervoso com o que irá acontecer.

O que leva à pergunta: o que realmente esta nova técnica acrescenta à A Lenda de Beowulf ou qualquer outro filme? Ela é capaz, indiscutivelmente, de criar mundos e dar à obra um visual irrepreensível. Mas, se a idéia de Zemeckis é chegar o mais próximo possível da realidade da interpretação dos atores, por que não usar intérpretes reais? Por que enconder a atuação de profissionais talentosos em uma máscara digital que às vezes funciona e às vezes não?

Pergunto isso porque saí do cinema com a certeza de que uma versão live action de A Lenda de Beowulf seria muito mais eficiente. Peter Jackson e seu O Senhor dos Anéis estão aí para provar que é possível criar um mundo com a maneira tradicional de filmar. Até é possível entender Zemeckis utilizando a técnica em O Expresso Polar, uma produção voltada a um público infantil. Mas, em A Lenda de Beowulf, ela acaba apenas prejudicando o resultado final.

Isto porque a nova tecnologia parece ainda não estar bem dominada. Os humanos, por exemplo, são bem irregulares – Beowulf e Hrothgar convencem, já a rainha e o demônio interpretado por Angelina Jolie não. E aí mora mais um ponto a favor da técnica tradicional: não seria muito melhor uma Angelina natural saindo da água do que aquele ser feito de pixels?

A impressão que fica é a de que Zemeckis parece uma criança feliz com seu novo brinquedo, disposta a utilizá-lo até gastar. Seu próximo filme, uma adaptação de Um Conto de Natal, de Dickens, também será realizado com esta tecnologia. O que á uma pena, pois dá saudade do Zemeckis criador de grandes obras como De Volta para o Futuro, Forrest Gump e Contato. A Lenda de Beowulf não é um filme ruim, mas serve como aviso ao cineasta: se continuar insistindo na brincadeira, pode acabar tendo que brincar sozinho.

Comentários (1)

Cristian Oliveira Bruno | quinta-feira, 28 de Novembro de 2013 - 18:13

Acho que uma trilogia, trabalhando bem as 3 fases da vida de Beowulf (guerreiro, rei em seu auge e rei decadente) seria muito melhor. Ficou meio atropelado. E sim, acho que seria muito melhor ver pessoas atuando no lugar de bonecos de Playstation...

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