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Críticas

Cineplayers

A arte de contar belas histórias esquecíveis.

4,5
Não se pode negar que Isabel Coixet é uma cineasta globalizada. Praticamente desde que estreou, essa catalã filma em espanhol e em inglês, trabalhando frequentemente com elenco anglo-saxão e em cenários que ampliam sua filmografia para além da Espanha, ainda que se assuma em co-produção sempre que sai de lá. Outra característica forte de seu cinema é a comunicação popular quase instantânea em longas que sempre a colocaram em alta conta junto ao público, por mais que seu nome não diga nada aos ouvidos dos admiradores de seus filmes, que têm uma pegada sempre humana mesmo nos aspectos imponderáveis - e ela tem alguns documentários no currículo de 17 filmes. O que talvez entregue mais uma vez o machismo vigente e mal disfarçado no universo cinéfilo, que provavelmente sempre confere seus longas. Porque Isabel Coixet continua nas sombras e Tom Hooper tem um punhado de prêmios, sendo que ambos entregam exatamente o que se propõem? Ao menos no seu país Isabel tem reconhecimento garantido, que a enxerga como a contadora de histórias competente que ela é.

Esse novo A Livraria acaba de sair como o grande vencedor do Oscar local, o Goya, arrebatando filme, direção e roteiro mesmo falando em inglês nessa típica produção de toque britânico. Talvez o que mova a fleugma por completo é justamente a humanidade e o calor que fustiga os personagens, ainda que em silêncio. Esse é o gatilho de Coixet, que acaba por pesar diferente essa trama onde o afeto e a empatia têm grande papel nas questões fundamentais do roteiro. Centrado na típica história da forasteira com um sonho, essa trama não é nova e o cinema já a desgastou em produções do passado, como Chocolate, estrelado por Juliette Binoche. O fato desse filme ainda hoje entreter e interessar se deve ao elenco talentoso e à vontade, mas principalmente à própria Isabel, que sabe mover as peças desse tabuleiro com muita elegância, extraindo suavidade desse lugar repetido e pintando com tintas humanas um quadro que em outra mão teria um aspecto endurecido e frio.

A escolha pelo humano está nas sutilezas que Isabel escolheu filmar e na delicada composição dos atores. O personagem de Bill Nighy não consegue olhar nos olhos do interlocutor pelos anos de ausência do convívio social; o jogo que Emily Mortimer estabelece a sua protagonista, com movimentos de mãos que se alternam entre a firmeza e a doçura; o meticuloso trabalho vocal alcançado por Patricia Clarkson, em grandes momentos de composição, criação e interpretação, e que mesmo generosa, não consegue deixar de eclipsar todos a sua volta com mais um trabalho primoroso, provando o quão subestimada é. Infelizmente todo esse arsenal humano não é compensado pelo produto final, que é sim dotado de certo brilho, mas que acaba não alcançando uma relevância maior do que a já citada competência de sua autora e de seu grupo de profissionais na frente das câmeras. Não há em toda sua duração o diferencial que apenas o definiria como mais um projeto competente de Coixet.

Sua construção dramática sensível não abre maiores possibilidades técnicas ou autorais a um filme que aparenta apenas querer entreter a maior parte da plateia, intuito esse que se crê alcançado. Mas no que concerne seu potencial cinematográfico, A Livraria não vai além. Até repetindo planos e intenções, como captar a frente da casa para onde a protagonista vai montar seu negócio sempre em contra plongee para realçar a magnitude do espaço em disputa, Isabel é uma cineasta que geralmente tem em mente o potencial dramático de seus projetos e não costuma rechear seus filmes com maiores artefatos de linguagem, são os olhos do espectador que devem procurar o brilho escondido em cada cena, na composição desse elenco especial. O trabalho desses profissionais surte efeito na tela, mas sua diretora não constroi as cenas para que cada um possa demonstrar seus desempenhos. Isabel quer contar sua história e seguir adiante, simplesmente; não deixa de ser irônico que um filme que celebra uma arte perene como a literatura seja tão passageiro.

Com sua narrativa de fácil assimilação e seu interesse preso ao elenco, Isabel repete o que já fez no passado e apenas trata de envolver sua narrativa do maior calor humano possível. Observando personagens tipicamente ingleses isso poderia e de fato é mais complexo, mas esse é o desafio a qual se incumbiu, voltando dele recompensada. Ao centrar seu escopo na humanização de seus personagens e em sua postura em cena, a diretora ganhou pra si um público que cria empatia com aquelas figuras. Mais difícil que isso é ir além de uma história bem contada, mas a verdade é que talvez não seja bem esse o campo de interesse de Isabel, exímia em criar uma atmosfera humana a seus longas... para logo depois cumprir a tarefa de aprontar seu filme e colocá-lo em cartaz, quase de maneira mecânica. É um aspecto ambíguo em matéria de característica, mas que define bem o lugar que Isabel Coixet acabou ocupando no cinema, mesmo que seus equivalentes masculinos tenham injustamente conseguido mais do que ela.

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