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Críticas

Cineplayers

A menina dos sonhos roubados.

6,0

Penso na intenção por trás do texto do roteirista Michael Petroni e da direção de Brian Percival. Eles constituíram a adaptação para ser um bom filme tratando de uma das fases mais terríveis da história humana? Ou visaram quase que puramente o choro emotivo, tanto dos leitores da obra original quanto do espectador convencional? Questiono, pois li a obra de Markus Zusak e notei o quanto esta fora subvertida. E isso não é problema, dada a liberdade artística do cinema. O fato de ter outra linguagem e tudo mais. Entre as opções questionadas, parece atender a expectativa da segunda, já que o roteiro busca a todo instante nosso afeto por seus personagens, dando indícios logo em seu início de que o destino daquele grupo de habitantes da Rua Himmel não deverá ser dos mais felizes.

A morte é a narradora de A Menina que roubava Livros, ela explica as circunstâncias em volta da Segunda Guerra Mundial, época em que, segundo a própria, tanto trabalhou. Alguns detalhes narrativos levam rapidamente ao que interessa. Uma criança lhe chama a atenção, Liesel Meminger, que acabara de perder seu irmão durante uma viagem de trem. Ela foi adotada. Sua mãe comunista já não podia mais lhe oferecer segurança. Acompanharemos as relações que Liesel passa a ter num território novo e hostil, resistindo a humilhações na escola por não saber ler até a sua expectativa quanto ao futuro, se voltaria a ver sua mãe ou não. Soma-se ainda a relação distinta estabelecida com os pais adotivos, Hans e Rosa Hubermann.

A despeito do livro, os horrores da Segunda Guerra foram atenuados em benefício da censura, já que o filme tem claras intenções de atingir distintas faixas etárias. Tal escolha sabota o potencial dramático da história, que perde em referência histórica e cenográfica. Se esvai esmiuçado pela imprecisão da narrativa em conciliar o drama de situação da pequena Liesel com o contexto realçado unicamente por referência: as atrocidades são ligeiramente romantizadas. Não à toa, o vilão é instituído sem personificação. Ali, Liesel e seu amigo Rudy Steiner caçoam de Hitler às escondidas por terem consciência do que a opressão fundamentalmente vivenciada significa.

Passagens e anos os alcançam, o contexto pouco se altera. A guerra se eleva. Liesel torna-se uma boa leitora, carrega um livro que outrora encontrou e passa a visitar semanalmente a casa da mulher do prefeito, local onde há uma grande biblioteca . De lá vem o título do filme, já que a menina passa a roubar livros a fim de lê-los em casa. A medida que sua inteligência se aguça, a infância lhe é roubada. Brian Percival cria planos sutis e marca sua história com delicadeza, permitindo sua ascendência sem nunca deixá-la truncada. Os 131 minutos se desenrolam confortavelmente trazendo informações enxutas numa abordagem diferente, embora comprometida, em relação ao livro. Já a narração em off da morte tem menos função e perde sua poética descrição.

A Menina que roubava Livros é um filme leve e coeso dentro de suas aspirações, similar a exemplares de adaptações como O Menino do Pijama Listrado (The Boy in the Striped Pyjamas, 2008). Para algum êxito, os produtores precisavam de uma boa e jovem protagonista capaz de segurar o filme inteiro. A tarefa caiu sobre a canadense Sophie Nélisse, que estreou no ótimo O Que Traz Boas Novas (Monsieur Lazhar, 2011). A garota dá toda uma vulnerabilidade a Liesel, transformando-a numa personagem mais destemida ao longo do filme. Seu carisma a favorece. Ela tem bons momentos com o geralmente fascinante Geoffrey Rush, que dá a Hans toda uma brandura, enquanto divide desavenças com a personagem Rosa, vivida por Emily Watson. Ainda vale mencionar a presença homogênea de Nico Liersch como Rudy. O roteiro extrapola quando busca nossa afeição, não era preciso tanto dada as caracterizações naturais dos personagens.

Singela, a obra de Percival abrange vários temas sem nunca discuti-los com profundidade, o que certamente irá incomodar boa parte do público. Também é bom de ver, visualmente a direção artística capta com propriedade a imaginação de um fiel leitor que deseja ver com esmero o que imaginou. O frio em volta, com a neve branca contrastando as cinzas da guerra, dá todo um tom ameno e triste à obra, enquanto a trilha de John Williams expressa fortemente o melodrama. No âmbito das relações, assistimos a vidas em risco em nome da honra, de velhas promessas, como a vinculação entre Hans e o judeu Max. É simples em sua proposta e feição, marcada por uma direção competente, porém pouco ousada, visivelmente limitada pelo objetivo de grande arrecadação nas bilheterias.

Comentários (1)

Raphael da Silveira Leite Miguel | terça-feira, 08 de Abril de 2014 - 23:50

Vejo que faltou ousadia pra essa obra ir mais adiante, pois retratar a guerra sem mostrar toda aquela violência característica dos filmes do gênero somente pra atingir à todos os públicos, foi um dos pontos que percebi de negativo. Ainda não o vi, mas percebi algo parecido em Cavalo de Guerra, na proposta de provocar o choro fácil.

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