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Críticas

Cineplayers

Com muita ironia e humor sarcástico, a tragicômica condição de um ilusionista em decadência faz piada de valores sociais.

7,0

Apesar do que pode sugerir a pavorosa tradução do título para o Brasil, A Mente que Mente é um filme que certamente merece algum crédito, ainda que o mau gosto do trocadilho indique o contrário. Em The Great Buck Howard, no título original, há uma inusitada reflexão sobre as escolhas que determinam os rumos da vida, partindo de uma premissa algo interessante: contra a vontade do pai, jovem abandona prestigiada faculdade de direito para ser assistente de um mágico ilusionista em decadência. Pode incluir aí uma boa dose de humor ácido e uma fina ironia.

O ilusionista em questão, o não tão lendário Buck Howard, é interpretado por ninguém menos que John Malkovich, em uma grande atuação. O personagem é denso e atípico. Excêntrico, egomaníaco e megalômano, Buck é uma espécie de personagem “Norma Desmond” (de Crepúsculo dos Deuses) dos dias atuais. Não tem a menor noção de que seu tempo de estrelato já é passado, e excursiona todo os EUA com o seu pequeno show na fé de que irá ser redescoberto ou algo parecido, fantasiando, em seu casulo particular, que ainda é uma celebridade. Estas fábulas, por assim dizer, de personagens decadentes, eventualmente renderam bons filmes, pois permitem uma discussão em forma de ironia sobre os valores que norteiam a sociedade, e a própria condição tragicômica da existência – sobretudo de celebridades. Do recente vencedor no Festival de Veneza O Lutador (2008), como em clássicos tais como Spinal Tap (1984), sobre a fictícia banda de rock decadente, ou mesmo Charles Chaplin, em seu Luzes da Ribalta (1952), já no declínio de sua própria carreira, abordando a triste realidade de um entertainer que já não faz mais sentido ou graça nenhuma ao seu público.

Na figura do personagem do jovem assistente de Buck, Troy Gable, está o ator Colin Hanks, filho de Tom Hanks, sendo que curiosamente no filme ambos atores estão presentes interpretando pai e filho – o filme não somente é estrelado como também é produzido por Tom Hanks, ainda que a sua participação como ator seja pequena. Em meio a excursões por pequenas cidades, Troy, que almeja ser escritor, vai em busca de experiência de vida, motivado por um desejo de um rumo existencial que fuja da mediocridade do trivial. Temática  que resulta estilisticamente em um filme que descende da tradição de filmes independentes, indo ao ponto sem grandes floreios. E a ironia com que trata o sonho americano, a vida padrão de classe média, sobretudo pelo sarcasmo com que aborda o showbizz, a ascensão e queda de estrelas, tem algo do cinema de Hal Hartley: é uma narrativa seca.

Existem em The Great Buck Howard menções curiosas à cultura. Nos seus shows,  em dado momento, antes do grande ápice do final do espetáculo, Buck executa e canta ao piano “What The World Needs Now”, de Burt Bacharach, uma canção típica dos filmes comerciais de Hollywood, sobretudo em comédias românticas e afins (inclusive é tema da atual novela da Globo "Viver a Vida"). A interpretação de Buck (lembrando, John Malkovich) é propositadamente e absolutamente pavorosa! Há uma mensagem clara aí, uma ironia genial. Em outro momento, contra seu gosto, o seu show em Cincinnati é iniciado por uma doida varrida que invade seu palco e o apresenta fazendo uma paródia de “Do You Believe in Magic?”, do grupo de rock inglês dos anos 60 The Loving Spoonful: um grandioso sucesso da época que, ao contrário dos Beatles, jamais é lembrado.  Questiona-se, em dado momento numa conversa, a sexualidade de Keanu Reeves, pois durante todo o filme a sexualidade de Buck Howard é levada à debate, já que é e sempre foi solteiro: há aí uma ironia sobre a paranóia sexista da sociedade americana (mundial, aliás), a espetacularização do sexo, onde tudo e todos são constantemente julgados por sua vida pessoal e sexual, algo que, se analisado com distanciamento lógico, não faz muito sentido.

Como o próprio nome indica, The Great Buck Howard é uma espécie de The Great Gatsby, ou O Grande Gatsby às avessas, do tempo contemporâneo: tal como no livro mais importante da história da literatura norte-americana, seu protagonista lunático quer fazer o seu show, parecer grande ao mundo, mas vivendo em um casulo emocional, no seu mundo particular, onde só lá, nas suas fantasias, faz algum sentido. O descompasso entre os valores vazios do mundo e as crenças e paixões particulares. O final dos espetáculos de Buck guardam um grande segredo: talvez o mais importante na vida seja encontrar o seu lugar, mas para isso é preciso ter fé em algo que vai além do que as aparências do mundo banal indiquem. 

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