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Críticas

Cineplayers

Entre a alienação e a revolta política, uma telenovela.

5,0

No dia da exibição do capítulo da novela Selva de Pedra (1972) em que a personagem Rosana Reis (Regina Duarte) é desmascarada e tem sua dupla identidade revelada, a audiência alcançou 100 pontos, um recorde da televisão nacional. Em 1988, na exibição do capítulo final da novela Vale Tudo, em que a identidade do assassino da vilã Odete Roitman (Beatriz Segall) seria revelada, a maior parte do país literalmente parou para assistir (as ruas de grandes capitais ficaram desertas e até alguns funcionários foram liberados mais cedo do serviço para poder acompanhar o gran finale). Já as novelas de Dias Gomes, como O Bem Amado (1973), e Roque Santeiro (1985-1986) foram responsáveis por traçar um panorama da situação política, social e econômica do Brasil, sempre disfarçadas por muito bom humor; além de Saramandaia (1976), uma novela de fantasia pioneira no uso de efeitos especiais na televisão brasileira, que contava com uma série de personagens bizarros que, entre outras coisas, explodiam de tanto comer, voavam com um grande par de asas de anjo, soltavam formigas pelo nariz, cuspiam o coração pela boca e viravam lobisomens.

A verdade é que as telenovelas sempre exerceram uma enorme influência no povo brasileiro, que vai desde ditar a moda atual até provocar grandes reações públicas que chegam a ficar na história. E uma das mais definitivas nesse ponto foi Dancin’ Days (1978-1979), de Gilberto Braga, responsável por promover no Brasil as músicas de discotecas que faziam sucesso no exterior graças ao filme Os Embalos de Sábado a Noite (Saturday Night Fever, 1977), além de ditar modismos, como a febre das coloridas meias lurex. Foi lançada em uma época turbulenta no cenário político brasileiro, que ainda estava sob o regime militar do presidente Ernesto Geisel, e marcou toda uma geração jovem.

E é baseado nesse cenário de tumulto político misto na explosão jovem das danceterias que o diretor Odilon Rocha cria o universo de seu trabalho de estréia, A Novela das Oito (idem, 2011), uma espécie de reconhecimento do cinema diante do significado das telenovelas na cultura geral brasileira. A trama se passa durante os anos 70, durante a febre das discotecas, quando as noveleiras Amanda (Vanessa Giácomo) e Dora (Cláudia Ohana) fogem para o Rio de Janeiro depois de se envolverem em um acidente comprometedor e são perseguidas pelo incansável policial militar Brandão (Alexandre Nero). Durante essa trajetória, suas vidas se cruzarão com as de outros diversos personagens que, apesar de bem distintos um do outro, têm em comum a paixão pela novela Dancin’ Days.

A partir desse ponto, Odilon cria um mosaico de personagens e situações que representam basicamente os dois tipos de jovens da época: os comunistas e engajados contra a ditadura militar, e os alienados que buscavam na novela da televisão uma forma de escape para seus problemas cotidianos. Entre esses personagens, há um adolescente gay enrustido que deseja assumir sua sexualidade e um brasileiro que mora em Londres e vem passar um tempo em sua terra natal, onde se sente um verdadeiro gringo. Com base nessas muitas tramas, o diretor procura abordar temas nem sempre tão lembrados pelo nosso cinema, como o desdém de muitos brasileiros pela cultura e sociedade de seu próprio país, a influência da televisão sobre os hábitos de consumo e vida dos telespectadores, além da juventude outrora tão empenhada na luta pelos seus direitos.

É uma pena que as boas ideias se percam na inexperiência de seu diretor, que na ânsia de querer abordar tantos temas de peso e tantas sub-tramas acaba não se aprofundando em nada. O que poderia ser uma tentativa de compreender a juventude desta época tão controversa, termina apenas em uma retratação superficial do assunto. Apesar das singelas referências ao estilo melodramático e irrealista das novelas brasileiras e da sua boa vontade de querer dar valor a essa página de nossa história, Odilon Rocha não consegue administrar o conteúdo de seu próprio filme, desperdiçando uma premissa tão rica em um desenvolvimento completamente irregular, minimizando o efeito da trilha sonora nostálgica e das atuações competentes de seu elenco.

Em A Novela das Oito, temos temas que são tão interessantes que por si só já garantem a atenção do espectador do início ao fim, e com certeza ganhará um sabor especial para os noveleiros fanáticos por Vale a Pena Ver de Novo. Grandes nomes de nossa teledramaturgia, como Janete Clair, Dias Gomes, Cassiano Gabus Mendes, Ivani Ribeiro, Gilberto Braga, Benedito Ruy Barbosa, entre outros, com certeza devem se sentir homenageados com essa pequena declaração de amor ao grande vício do povo brasileiro e que, querendo ou não, já é parte da nossa diversificada cultura.

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