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Críticas

Cineplayers

O clássico musical aparentemente não envelhece. Permanece contagiante e admirável.

9,0

A década de 60 parecia derradeira para o gênero musical em Hollywood. Quando, em 1969, o fracasso de público Alô Dolly! fez os estúdios abolirem quase que por completo o gênero de suas futuras produções, assim como acontecera com o faroeste, os roteiros escritos com a intervenção de canções nos diálogos (ou mesmo inteiramente cantados, como é o caso de Os Guarda-Chuvas do Amor, de 1964), praticamente se extinguiram. Baz Luhrmann ressuscitou os musicais de sucesso já no século XXI com Moulin Rouge – Amor em Vermelho, mas, de volta à década de 60, dois dos maiores exemplos do que de melhor foi feito no gênero são do mesmo diretor, Robert Wise. Em 1961, Wise adaptou da Broadway Amor, Sublime Amor, e posteriormente, em 1965, A Noviça Rebelde.

No original The Sound of Music, o filme recebeu um explicativo título quando lançado no Brasil, onde também foi grande sucesso de público. Digo também pois, por onde quer que o filme fosse exibido, costumava levar multidões às salas de cinema. Assim conta a própria Julie Andrews, intérprete da noviça do filme, na edição especial em DVD lançada em nosso país, quando em uma cidade com 50 mil habitantes, 80 mil ingressos foram vendidos para as sessões do clássico musical. O sucesso era obviamente esperado por Wise e pelo estúdio, mas foram surpreendidos por não terem imaginado o imenso alcance que seu filme teria, garantindo ainda cinco prêmios da Academia nas categorias de Melhor Filme, Diretor, Som (para o departamento de som da 20th Century Fox), Edição (William Reynolds) e de Trilha Sonora Adaptada (Irwin Kostal).  
 
Adaptado do espetáculo da Broadway de mesmo título, The Sound Of Music foi o último musical escrito pelos lendários Richard Rodgers e Oscar Hammerstein, que anteriormente já haviam visto seus musicais adaptados aos cinemas em diversas ocasiões, como no também admirado Oklahoma! ou ainda em O Rei e Eu, baseado em mesma história que posteriormente serviu de inspiração para o filme Anna e o Rei, de Andy Tennant, em 1999. Embora os méritos do musical sejam destinados às belas e inesquecíveis composições de Rodgers e Hammerstein, elas existem apenas graças ao livro de memórias escrito pela verdadeira Maria Von Trapp, noviça que fora incumbida de ser governanta em uma casa onde viviam sete crianças e seu austero pai, um capitão viúvo. Uma vez musicada, a história da família Von Trapp logo ganhou os palcos e posteriormente as telas - primeiramente em uma versão alemã (Die Trapp Familie, de 1949) e depois na adaptação americana - e hoje faz parte da história do cinema como um dos musicais mais lembrados de todos os tempos.

Para a Maria ficcional, personagem dividida entre seus deveres como noviça em um convento e seu desejo por liberdade, a escolhida foi Julie Andrews, que com seus cabelos curtos levou à Maria um ar travesso e inocente, semelhante ao da estreante Shirley McLaine vista em O Terceiro Tiro, de Alfred Hitchcock, e posteriormente em alguns filmes de Billy Wilder. Andrews já havia estrelado Mary Poppins, musical da Disney aclamado, e vencido um Oscar por seu papel, por tanto era visada na época como grande intérprete, além de ser lembrada por suas ótimas interpretações em musicais na Broadway. Christopher Plummer foi o escolhido para viver o capitão Von Trapp, que com o desenrolar do filme deixa o autoritarismo de lado para acolher os métodos educacionais descontraídos de Maria. O casal, mais os sete filhos do capitão, possuem um carisma único, e mesmo que não se lembre os nomes das sete crianças é imediata a associação de cada uma delas a alguma característica própria, sendo desenvolvidos ao longo do filme como sete personagens e não apenas como um grupo de infantes.  Outro destaque interessante é o da Baronesa Schraeder, que o roteiro de Ernest Lehman e a intérprete Eleanor Parker não deixaram cair na caricatura de uma malévola personagem. Uma das pequenas incoerências do roteiro é a brusca mudança de personalidade do capitão Von Trapp, que deixa de lado sua severidade para com seus filhos de forma muito abrupta.

Ainda no roteiro de Lehman se percebe uma característica pouco utilizada nos musicais, mas muito elogiável, que é a de não iniciar uma seqüência musical afetando a cena de que ela faz parte. Lehman pontua o inicio das músicas com o diálogo que se desenrola, não dando grandes introduções aos números musicais, o que faz com que algumas seqüências cantadas não sejam previstas pelo espectador. Um dos exemplos mais claros está em uma das mais belas canções do filme, My Favorite Things, quando Julie Andrews recita algumas frases da música através de falas e passa a cantar em seguida. Marc Breaux e Dee Dee Wood, responsáveis pelas coreografias do filme, fazem dos momentos musicados eventos belamente inspirados, captados com sagacidade por Wise, e nada disso seria possível sem a evidente integração dos três elementos: direção, roteiro e coreografia. A música, evidentemente, é beneficiada ainda mais com a explícita combinação de tais elementos.

The Sound of Music se passa na Salzburgo do final da década de 30, quando o regime nazista de Hitler passava a disseminar sua ideologia por países próximos à Alemanha. O filme aborda de forma leve a realidade enfrentada pela família Von Trapp, quando não tiveram outra opção que não fosse a de deixar a Áustria. Outro mérito do filme foi o de não deixar que a trama nazista interferisse de forma negativa no filme, sendo que os momentos notavelmente sérios e um tanto tensos são gradativamente propostos pelo roteiro de Lehman. São seqüências que poderiam quebrar facilmente a magia presente em todo o filme, porém a abordagem inteligente ao tema é louvável. Ainda mais por incluir próximo do final da fita a divertida canção So Long, Farewell mais uma vez.

Quanto às músicas, além das já citadas, outros momentos antológicos estão presentes no filme e, mesmo que nunca se tenha o visto, bastam algumas notas das canções para que as mesmas sejam reconhecidas. Do-Re-Mi é certamente a mais popular, que permanece mesmo com o passar do tempo adorável, assim como a tocante The Sound of Music, que marca a primeira cena do filme, quando Maria é apresentada correndo em uma montanha. Também não se pode esquecer Edelweiss, última canção escrita pela dupla Rodgers e Hammerstein, apresentada na voz aveludada de Christopher Plummer. 

Na bela Salzburgo, terra natal de Mozart, Wise construiu um dos maiores musicais de todos os tempos. A influência de seu filme na cultura popular mundial é inegável e mesmo hoje, passados mais de 40 anos do nascimento do filme, é difícil que o mesmo seja visto com olhos de reprovação, ou que se diga que ele envelheceu. Pelo contrário, A Noviça Rebelde permanece atual e é um exemplo de filme para se colocar na seleta lista daqueles que não cansam o espectador, mesmo quando visto por diversas vezes.

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