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Críticas

Cineplayers

O discurso do meio.

7,0

Recheado de provocações e reflexões acerca de sua própria cultura, A Pedra de Paciência (Syngué sabour, 2012) se debruça de uma maneira vertiginosa no calvário feminino em terras nas quais as mulheres são deliberadamente humilhadas. Estamos diante uma obra sobre palavras, de confissões, de sonhos. A narrativa é corajosa, investe pesadamente numa trama de situação como alusão a tantas outras vidas semelhantes que vagam por ali incertas dos destinos que consideram existir. A diferença aqui reside nas escolhas e naturais ações que envolvem o espectador no drama particular estendendo para outras inspiradas discussões. Mudanças bruscas afugentam expectativas e a obra se modela com imprecisões, mas com felizes decisões imprevisíveis. O meio dos conflitos dentro e fora do quarto é virtuosamente retratado em elocuções.

Durante o Jihad um homem vegeta tendo como companhia sua mulher e suas palavras. Ele levou um tiro no pescoço que lhe roubou a consciência. Num quarto obscurecido e infeliz partimos para um ideal de esperança presente entre quatro paredes, onde sentimentos indizíveis ficaram guardados. Dali emerge as palavras de uma mulher que remonta sua vida com ambições de outrora visando felicidade. A narrativa propõe uma história fragmentada que se constrói segundo cada relato. Temos acesso à imagens de passados. De encontro ao pesar retratado está o espectador, também como ouvinte de casos cruéis num cenário brutal. De muitas formas, o longa aproxima-se de outro exemplar afegão, o sofrido Wajma (idem, 2013), que apresenta a mulher violentada com muito mais ênfase. A Pedra de Paciência, tal como Wajma, parecem um grito de socorro.  
   
Conflitos religiosos explodem do lado de fora vitimando inocentes e dividindo iguais. A perspectiva plantada no roteiro parece ser de quase indiferença numa ótica de observações acerca dos fatos experimentados. Diferente, o cineasta oferece sua visão e prioriza sua protagonista negligenciada num meio de turbulências e, aparentemente, de inesgotáveis conflitos. Ela está ali presente, embora pareça invisível diante do que há em seu redor. Ruínas. O melhor da obra é definitivamente acompanhar essa mulher tão bem vivida pela atriz iraniana Golshifteh Farahani. Suas aspirações e ações incendeiam a trama que culmina num ato brando e heróico com sua doce expressão aterradora. Algumas escolhas do roteiro evidenciam a crítica de seu plot, como a relação estabelecida com um jovem estranho armado. Além disso, o visual também agrada. Cores fortes destoam no contexto, significando a mulher em destaque em volta de tonalidades amareladas. 

A intenção do cineasta afegão Atiq Rahimi parece ser a de fazer de seu filme um filme de representações. Representações ideológicas, religiosas e humanas a partir de um contexto oprimido numa cidade qualquer no Afeganistão. O título é uma metáfora de algo imóvel que é destruído após este simbolicamente ouvir profundos relatos. Juntamente a destruição da pedra – o objeto metafórico do homem imóvel – os lamentos vão se embora com a finitude de sua existência. Resta o alívio. Isso é belamente traduzido pela câmera.  Seus personagens sem nome elucidam uma cultura ainda vigente e o discurso dessa mulher diante a morte demonstra a insensatez que converte-se em pesar. O silêncio mina as expectativas e o tempo maximiza a indulgência política e transcorre sobre as relações vistas que metaforizam as verdades amargas de uma cultura obsoleta que se arrasta. É um belo filme.

Visto durante o 6° Paulínia Film Festival

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