Saltar para o conteúdo

Críticas

Usuários

Mais que um filme sobre sobrevivência?

0,0

O protagonista de A Perseguição (The Grey, 2012) é John Ottway (Liam Neeson), um caçador que trabalha para uma empresa petrolífera. Sua obrigação é manter a segurança dos demais funcionários, uma vez que nas regiões geladas onde trabalham há animais perigosos que podem colocar suas vidas em risco. Descobrimos em pouco tempo de filme transcorrido que ele está tomado por uma pungente tristeza, oriunda da perda de sua esposa - que não é tratada com muita clareza, apenas em rápidos flashbacks. Ainda nesses primeiros minutos, o “matador assalariado”, como ele se autodenomina, coloca o cano de sua arma na boca, mas desiste do suicídio após escutar o uivo de um lobo ao longe. Este é o chamado, o “desafio” que atravessará a alma de um homem angustiado e o manterá vivo, para morrer no mesmo dia, todavia, assim como diz mais ou menos um dos versos do poema que repetirá em algumas ocasiões e que terá um significado profundo para ele durante a intensa jornada que se aproxima.

O avião que transporta Ottway e companhia passa por uma pane e cai em uma região do Alasca. Lá, os sobreviventes enfrentam um clima cruel e um grupo de lobos que os espreitam, já que desafortunadamente foram parar no território dominado pelos animais.  Ottway, na sua condição de macho-alfa, aquele que lidera os outros membros contra um grupo antagonista – cuja espécie é diferente e, portanto, criadora de artifícios de combate bastante distintos –, passa a ser o grande elaborador de estratégias. Percebe-se  ali uma sutil aproximação entre homem e lobo, pois há pessoas vivendo em grupo e se virando com recursos limitados, além de outros detalhes mais específicos. Como é o primeiro quem tem que se adaptar à área defendida pelo último, o caçador é obrigado a abrir caminho para o confronto com aquele que comanda o conjunto adversário. É homem versus lobo, ou melhor, lobo versus lobo, como o final sugere.

Soa interessante que nesse projeto de sobrevivência exista um processo que faz do homem “lobisomem”, em um sentido muito emblemático. Mas há algo que é realmente frágil no trabalho de Joe Carnahan: a articulação entre esses extremos envolvidos, que vão ficando cada vez mais próximos à medida que cada um dos colegas de Ottway vai padecendo. Nisso reside um enorme vazio, que pode passar despercebido justamente pelo fato do filme se fechar constantemente sobre a imagem da personagem de Neeson, grande responsável pela conquista da simpatia de muitos que conseguiram enxergar em The Grey algo além de um mural de boas ideias desenvolvidas da maneira mais frouxa e elementar possível, e por conta da boa execução de algumas cenas.

Creio que é conflitante o fato dessa submissão do homem ao lugar e de todas as ideais que extrapolam o limite de um filme que aparentemente é tão igual aos demais ficarem muito mais no plano da simples sugestão/intenção do que na força da diluição da essência, sem forçação de barra, das personagens dentro do macrocosmo diegético. É desagradável perceber que não há beleza no encadeamento entre aventura, espaço físico e apelos recorrentes à subjetividade dos remanescentes. A Perseguição simplesmente nos mostra um bando de caras perdidos e tece algumas reflexões rasas sobre a vida de cada um deles. Somente. Aquela imensidão toda de gelo e neve está ali apenas como necessária condicionadora de perigos e dificuldades, e a exploração do âmago de cada sujeito é quase sempre cafona e preguiçosa, pois se desenvolve sob a forma de simples enxertos narrativos que tentam desvencilhar o filme de um tipo de cinema onde só o que aparentemente importa é o derramamento de sangue durante as mais violentas e difíceis provações e fazer daquilo algo além de um filme sobre sobrevivência.

A perseguição, além de ser permeado por ineficientes escolhas narrativas, segue o caminho mais espinhoso em muitos momentos; aqui, potenciais boas ideias se diluem por completo em um punhado de episódios simplórios que deixam claras as intenções do texto adaptado por Carnahan. Os sentimentos e lembranças de cada um daqueles homens, abordados quando estão à beira da morte, por exemplo, não deixam de explicitar (gritar, quase) o desejo intenso de tentar a todo custo mostrar que não assistimos apenas a um bocado de lobos atrozes tentando destroçar meia dúzia de humanos. A obrigação de traçar caminhos que possam amalgamar duas perspectivas – a do filme de sobrevivência em estado puro e a daqueles que se apegam à supracitada exploração da interioridade dos indivíduos – para assim chegar ao íntimo do espectador, mesclada ao estilo desinteressante desenvolvido por Carnahan, concebe um objeto calculado e opaco que está muito distante da profundidade almejada. O que vemos, não raro, torna-se desgraçadamente insípido, já que o diretor simplesmente dá voz (e coragem para lutar) a suas personagens, achando que isso elimina a necessidade de “falar” com o olhar. Eu, sinceramente, não consigo perceber, a cada plano, nada que não se recolha ao que é mais limitado em termos de filmes cuja premissa não lhes confere nada além de uma aventura tão aparentemente instigante quanto descartável.

A Perseguição, portanto, pareceu-me terrivelmente atingido pela “necessidade” de buscar ser algo mais, quando na verdade poderia ser sem tentar provar isso a cada flashback, a cada diálogo, a cada morte etc., pois, afinal de contas, suas melhores qualidades não se legitimam quando o diretor tenta superar expectativas, e sim quando as atende. Todas as suas investidas só geram encantamento descontínuo, por camada, de superfície, o que parece ser suficiente para muitos que estão se rendendo às suas pouco fascinantes reflexões sobre vida e morte. Nada contra qualquer intenção de roteiro – não é papel do crítico dizer de que uma obra alheia precisa para ser boa –, mas não consigo gostar de um material fílmico inconsistente e que não vai além de sugestões “inteligentes” e de momentos cuja força está na exploração quase sempre gélida da violência e onde a câmera não passa de um limitado veículo.

Comentários (4)

Marcus Almeida | segunda-feira, 30 de Abril de 2012 - 22:35

Campos fazendo crítica de blockbuster?😲

Bruno Kühl | segunda-feira, 30 de Abril de 2012 - 22:40

Não gostei muito da crítica, quando você tenta argumentar a falha das reflexões do filme, fica enrolando até não dar mais pra entender nada. rsrsrs
Ainda tenho bos expectativas desse. Não vi porque não estreou em NENHUM cinema ao meu alcance, um absurdo se vermos que "Espelho, Espelho Meu" estreou em todos...

Faça login para comentar.