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Críticas

Cineplayers

Jordan e sua simbologia intrincada e cheia de subtextos.

6,5

A vida de um casal é assombrada por dois fantasmas: a quase traição dele com uma garota australiana e as visões que ela tem constantemente de uma menina em sonhos (o título do filme no original, In Dreams). Vai se tornar um inferno quando a filha desaparece e é achada morta, afogada, no dia seguinte. Acreditando ter tido uma premonição (o título brasileiro, errado, para variar), a mulher mergulha de BMW vermelha e tudo nas águas atrás da filha.

Dirigido por um dos melhores diretores da atualidade (Neil Jordan, também roteirista), interpretado por uma das melhores atrizes hoje (Annete Bening) e fotografado por Darius Khondji, A Premonição é um thriller que começa muito bem, derrapa feio da metade em diante e afunda na parte final. Ao embaralhar ficção e realidade usando uma simbologia intrincada e cheia de subtextos, o diretor mostra que é bom no negócio de dirigir um filme, transformando-o numa fantasmagórica alucinação tão fluida e sufocante quanto a água que transborda de seu longa-metragem. À medida que este avança, a trama toma conta e o vilão é mostrado, acaba-se o filme.

A cidade onde vivem as personagens fora evacuada anos antes para dar lugar a um reservatório (ou represa), de forma que existe, debaixo do grande lago que circunda as casas, toda uma cidade subterrânea, recém-destruída pela invasão das águas. É lá que mãe e filha se encontram nos sonhos delirantes da mãe, com a filha implorando para ser salva da enchente, presa dentro de uma igreja repleta de imagens sacras boiando.

Jordan, irlandês de origem católica, abusa dos símbolos católicos, seja água, crucifixos, maçãs sedutoras e asas de anjo, para criar seu atormentado universo subaquático. A mãe acredita que pode ver o futuro e espera mais imagens para decifrar o enigma da morte / desaparecimento da filha. Deixa-se se levar sem controle pela imaginação / sonhos e perde a capacidade de distinguir realidade e fantasia. Vive nas profundezas das águas, um lugar de sofrimento, em busca da filha, sendo lentamente tragada para aquele universo desesperador sem possibilidade de volta.

Apesar da maestria do diretor em diversas cenas, A Premonição vai passar para a sua carreira com um de seus filmes menores, carreira essa coalhada de fracassos de bilheteria. Ele, que venceu o Oscar de melhor roteiro em 1992 por The Crying Game (ou Traídos pelo Desejo, no horroroso título brasileiro), começou bem a carreira ao recontar a fábula do Lobo Mau em A Companhia dos Lobos (1984), hoje filme cult, recheando-a com uma simbologia bastante interessante sobre a perda da inocência pelos adolescentes.

Daí em diante só fez filme ruim. Captado por Hollywood, não se adaptou às simplificações, reduções e diluições do cinema comercial, cometendo bobagens como Não Somos Anjos e Entrevista com o Vampiro. De volta à Irlanda, rodou o interminável e panfletário Michael Collins - O Preço da Liberdade e entamou esse A Premonição para a Dreamworks antes de se redimir no belo Fim de Caso, um triste e belo filme com Julianne Moore e Ralph Fiennes fazendo o casal separado pela fé dela.

Mas Jordan não acertou a mão e fez novamente um punhado de filmes ruins, como o remake Lance de SorteValente, duas bombas de bilheteria que botaram sua carreira novamente no chão. No meio, fez a incompreensível comédia Café da Manhã em Plutão, com Cillian Murphy de travesti sem graça nenhuma. Hoje, dirige para a TV e talvez esteja no ostracismo, pelo menos para o grande público.

Mas para quem gosta de Jordan, basta procurar por seus filmes menores e pessoais: está lá o melhor de sua carreira. Suas personagens marginalizadas, vistas por uma ótica sensual e rica, é ao mesmo tempo inteligente e triste. À Procura do Destino fala de incesto, e Jordan consegue nos colocar a favor do romance, sem julgamentos.

Nó na Garganta traz um menino que, para fugir da realidade que o atormenta, refugia-se num universo onírico ainda mais violento. É Neil Jordan no seu melhor: símbolos, universos paralelos, fragmentação narrativa – venceu o Urso de Prata de melhor diretor no Festival de Berlim. Ou seja, o público não precisa se desesperar,  pois o bom diretor está na ativa.

No aspecto visual, os fãs não vão se decepcionar com A Premonição, pois Jordan é Jordan e sabe como fazer um filme. Se o viés comercial não é seu forte, isso não é um defeito: há cineastas que foram feitos para outro tipo de cinema. Jordan, escritor também, dá-se melhor em pequenos filmes pessoais, passados na sua Irlanda natal. Lá ele consegue universal, afetivo, punjente, com a criatividade ao máximo. Pena que não dê dinheiro. Ou seja, há que se fazer filmes comerciais como esse para seguir adiante. Coisas da vida.

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