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Críticas

Cineplayers

Linguagem satírica adorável e ótimos diálogos em um trabalho muito bom de Jean Renoir.

7,0

Jean Renoir foi um grande diretor francês que tratava, através de seus filmes, temas estritamente humanos, analisando o comportamento dessa espécie que você tão bem conhece (ou talvez não) em histórias que prezavam sobretudo a qualidade dos diálogos. A Grande Ilusão, de 1937, foi assim. A Regra do Jogo, de 1939, funciona da mesma forma. Esses dois filmes são franceses, mas seus temas e a análise que eles fazem da sociedade vale muito bem para qualquer sociedade que vive sob regras semelhantes às nossas, dos Ocidentais. E eles vão mais além: são filmes atemporais. Por isso, hoje, aproximadamente 70 anos depois, são lembrados facilmente como filmes ainda relevantes à cinematografia mundial.

Apesar de atualmente ser endeusado por muitos críticos, e como é comum a inúmeros clássicos, A Regra do Jogo teve uma recepção muito ruim à época de seu lançamento. Apesar de ser basicamente uma comédia sobre o comportamento da classe alta na época que antecedera a Segunda Guerra Mundial, seus conflitos amorosos, com excesso de libertinagem sexual, e algumas das questões morais apresentadas pelo roteiro (que foi escrito, em parte, pelo próprio Renoir) talvez estivessem à frente de seu tempo. Ou algumas pessoas não gostaram de se verem satirizadas e sentiram-se ofendidas. Foi depois da guerra ter terminado que os críticos começaram a ver o filme de Renoir com olhos agradecidos, considerando-o uma grande obra – e assim ele é visto até hoje.

Um grande ponto a favor de A Regra do Jogo é o fato de que ele demonstra como a futilidade e alguns problemas humanos não são específicos de uma classe social apenas. O roteiro é feliz ao retratar algumas situações e decisões errôneas entre os ricos e os pobres da mesma forma, mas não deixa de ser perspicaz ao mostrar que a maior das diferenças é que os ricos sofrem e erram com classe e elegância (vide a ótima cena final) – o que não deixa de ser uma síntese da sátira presente em todo o filme. A cena da caça, que ocupa um grande tempo de celulose, é uma demonstração perfeita da ignorância criticada acidamente por Renoir, ao mostrar seus personagens matarem cruelmente um bando de animais por simples entretenimento. Apesar de filmada de forma simples, é uma cena mais forte do que muitas que o cinema atual consegue nos mostrar.

Como obra cinematográfica (independente de críticas sociais), o grande destaque de A Regra do Jogo é sem dúvida seus ótimos diálogos (geralmente relevantes e inspirados) e também algumas ótimas cenas, como o show teatral na casa de campo – onde comportamentos ridículos de vários personagens são expostos sem hesitação. Outras vezes, porém, somos apresentados a cenas quase tolas, inocentes, ou mesmo exageradamente paródicas – uma balbúrdia ocorrendo em tela que transforma o tom do filme em pura comédia, e a sátira perde um pouco o seu controle. Ainda assim, quando há muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo, Renoir se vira muito bem ao mostrá-las com energia e planos bem elaborados.

Falando nisso, A Regra do Jogo possui muitos personagens, o que origina um grande número de situações diversas e, consequentemente, recortadas, picotadas em partes, às vezes ficando incompletas. O excesso dessas situações e de outras intrigas, porém, não atrapalha o desenvolvimento dos personagens, pelo menos dos principais, mas há aqueles que nos são apresentados e são simplesmente esquecidos logo em seguida (por isso a palavra “incompletas” foi utilizada acima). Infelizmente, o filme não escapa de um ritmo lento (o que é um pouco da característica do cinema do diretor), porque insiste em uma grande quantidade de diálogos. Afinal, em meio a tantos textos inspirados, sempre há espaço para alguns desnecessários ou excessivamente longos.

Apesar do que foi falado em relação a alguns diálogos, cito como principal ponto negativo do filme o fato de as mulheres serem endeusadas e protegidas ao extremo. Pois enquanto os problemas dos personagens advêm principalmente da falta de decisão delas (que têm total incapacidade de saber realmente o que querem de suas vidas) e da infidelidade originada por elas, são os homens quem sempre pagam por isso, muitas vezes com suas vidas ou, no mínimo, com sua infelicidade. Não acredito que tenha ocorrido um desenvolvimento proposital desse tipo de situação por parte do roteiro, mas é o que acaba acontecendo.

Uma rápida curiosidade: a cena de caça de Assassinato em Gosford Park (filme que adoro), de Robert Altman, é uma homenagem direta à toda a sequência de caça de A Regra do Jogo. Altman foi fortemente influenciado pelo filme de Renoir, principalmente pelo seu tom satírico, demonstrando um pouco da importância do filme para o cinema. A Regra do Jogo exige apenas um pouco de paciência de seu público com relação ao ritmo cadenciado. Passada essa intempérie, resta o prazer de assistirmos a um filme rico em diálogos e com alguns personagens muito bons, frutos de um roteiro excepcional. Um ótimo filme, não somente da cinematografia francesa, mas do cinema mundial.

Comentários (3)

Tiago Nunes | sábado, 26 de Março de 2016 - 13:26

Achei que pelo texto a nota parece ser maior. haha

César Barzine | sábado, 24 de Junho de 2017 - 17:32

Achei que pelo texto a nota parece ser maior. haha [2]

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