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Críticas

Cineplayers

O homem de preto fugia pelo deserto e o pistoleiro ia atrás.

6,0
É dessa forma que Stephen King inicia O Pistoleiro, primeiro livro de seu épico A Torre Negra e que, em poucas palavras, determina todo o conflito que se estenderá ao longo de oito livros e mais de duas décadas, seguindo o desejo do seu criador de criar uma história que pudesse contar para sempre. 

A Torre Negra tem sua dívida com o cinema; nasceu das inspirações do escritor de escrever uma narrativa em larga escala como O Senhor dos Anéis, mas outra pedra angular especialmente em matéria de ambientação e estilo foi o western spaghetti Três Homens em Conflito, dirigido pelo italiano Sergio Leone em 1967. 

Assim, é singular na obra sobre o pós-apocalíptico “Mundo Médio” o intertexto de gêneros, com elementos fantásticos irrompendo em meio ao realismo cru, onde a personalidade obstinada e anti-heroica do pistoleiro Roland Deschain é confrontada com a vilania clássica do mago Walter, o “Homem de Preto”. E é justamente no eterno conflito entre os dois que a criticada adaptação dirigida por Nikolaj Arcel tem seus melhores momentos.

Como filme, o aguardado projeto revela-se um filme bastante comum ancorado nas boas performances de Idris Elba como o Pistoleiro e Matthew McConaughey como o Homem de Preto; e apesar de respeitar a mídia original, o que faz falta aqui é um filme com coragem de voar com as próprias asas.

Partindo do ponto de vista de Jake Chambers, jovem órfão de pai atormentado por pesadelos e que descobre ter poderes telepáticos, o maior erro do filme não seria tanto exatamente a fidelidade - a história que nos é apresentada não passa de um grande sumário dos livros publicados - mas sim em matéria de linguagem. O filme A Torre Negra pouco faz para recriar o clima seco, exaustivo e brutal dos livros; Jake vira amigo de Roland e a cumplicidade que surge entre os dois para derrotar o Homem de Preto acaba virando a tônica do filme que passa a ser uma luta do bem contra o mal com a jornada de Roland por Nova York rendendo alguns momentos cômicos relativos a observação de costumes.

O que temos ao invés disso é um filme de ação com toques aventurescos; não o faroeste espaguete almejado por Sergio Leone, que desconstruiu o imaginário americano e mundial sobre a forma que o faroeste era visto e que King tanto fez questão de prestar homenagem. 

O filme de Arcel é todo pela ação, usando e abusando de técnicas de filmagem, montagem e pós-produção, o que o torna um filme um tanto afetado,  o tempo todo dependente da parafernalha cinematográfica excessiva. Nesse sentido, o filme é carregado de câmera lenta, bullet time, uso e abuso de filtros escuros, excesso de corte e excesso de música. Música esta excessivamente dramática o tempo todo, tentando impôr sobre o espectador de forma ininterrupta a sensação de comoção ao invés de extrair a empatia pela dramaturgia.

Como boa parte do cinema industrial atual, uma grande dificuldade que vemos aqui é tentar usar os recursos audiovisuais de maneira didática mas pouco conseguindo nos fazer emergir naquele universo através dos mesmos, precisando então utilizar de frequentes narrações em off e diálogos explicativos que deem conta de explicar um universo complexo.

Apressado e raso demais para conseguir nos explicar o que seriam e como funcionam certos elementos do cânone apresentado, sua tentativa cria um primeiro terço para lá de confuso com excesso de cortes e transições entre cenas em velocidade tão independente que fazem parecer um trailer de meia hora. Só depois temos a sensação, de fato, de ver um filme.

Sem conseguir reproduzir a singularidade e a riqueza de detalhes, atrapalhando-se no “débito” com a mídia original e sua tentativa de resumi-la, o que resta no filme? Cortando o cordão umbilical que cerca as adaptações de hoje - a fidelidade como uma exigência muito mais militante dos fãs da obra original a ponto de virar prisma de análise, ou seja “melhor ou pior de acordo com a exatidão da reprodução” - e analisando como um filme em si, o que nos é apresentado não ajuda muito em sustentar-se sozinho.

A Torre Negra cabe na expressão “rápido e rasteiro”. O Homem de Preto é um vilão interessante, que constantemente provoca o herói de maneira até divertida, com McConaughey ao visto divertindo-se em seu vilão perverso, ainda que quando tenta explicar suas motivações não tenha grandes justificativas para destruir a Torre Negra além de apontar as falhas de conduta do pistoleiro Roland, o que acaba esvaziando-o enquanto vilão realmente interessante, já que não tem grandes questões com passado ou futuro, parecendo mais o típico vilão sedento por poder.

Já em um arquétipo de personagem que Idris Elba soube encarnar com a sisudez típica do “Blondie” de Clint Eastwood ou o Django de Franco Nero: o herói imperfeito, com uma personalidade sombria moldada por um mundo brutal, perseguindo seu único inimigo de maneira obstinada mas de maneira já niilista. Ao contrário de seu antagonista, Roland realmente tem um percurso de personagem a percorrer, tomando decisões questionáveis por motivos egoístas e tendo que aprender com o jovem Jake não apenas sobre o mundo de onde o mesmo veio, mas também a agir de maneira ética por uma causa. Ao menos dramaturgicamente, Roland consegue vencer o Homem de Preto, sendo simplesmente mais interessante de acompanhar seus percalços e suas mudanças.

A cenografia do filme é especialmente marcante, ainda que o figurino não pareça ter muita unidade e não traduza com tanta exatidão aquele universo. Já os cenários por sua vez exibem a tal “terra devastada” que é o Mundo Médio, mostrando pontualmente elementos urbanos engolidos pelo tempo e aparecendo como restos de uma civilização perdidos em um mundo ao mesmo tempo inclemente e sedutor. Passa a ser um elemento subaproveitado, inclusive, pois a linguagem básica e calculada de ação não carrega consigo grandes impactos dramáticos além de estilizar de maneira descerebrada os embates. Não é a linguagem operística e grandiosa de um Mad Max: Estrada da Fúria que era eco daquele deserto sem vida e aquela sociedade horrível de se viver. Está lá mais porque hoje em dia o pós-apocalipse e as distopias são cool, contanto que não saiamos dos tons pré-adolescentes do cinema de shopping.

Pior que ser uma péssima adaptação (O Iluminado, afinal, é um exemplo de “mutilação” do material original que deu origem a uma obra-prima do cinema fantástico), o maior problema de A Torre Negra é ser um filme esquecível, que não chega a ser detestável ou insuportável. O depoimento dos que o que não leram era que o universo é interessante e os intérpretes têm carisma e geram faísca em seu conflito; mas parava por aí, já que caía na oposição preguiçosa e todos os elementos do cânone logo perdem a importância e não recebem maiores atenções ou explicações. É difícil que daqui a alguns anos ao menos lembrem que houve o filme A Torre Negra, o que é uma pena; tinha material para tão mais do que foi mostrado que a sensação geral acaba sendo nada além de frustração - tanto para os ansiosos quanto para os leigos.

Comentários (3)

Gian Couto | quinta-feira, 24 de Agosto de 2017 - 17:29

Há anos que espero uma adaptação da Torre Negra e pelo visto essa aí decepcionou bastante. Pelo trailer já dá pra perceber que toda a riqueza que poderia ser extraída da obra foi sonegada, transformando o filme num simples pipocão. Resta ter esperança que a série saia e ali possam efetivamente dar vida a essa saga tão rica.

André F. F. | sábado, 26 de Agosto de 2017 - 10:45

"O filme de Arcel é todo pela ação usando e abusando de técnicas de filmagem montagem e pós-produção que é verdade ou não o filme um tanto afetado pois mostre o tempo todo dependente da parafernalha cinematográfica excessiva e nesse sentido o filme é carregado de câmera lenta, bullet time, uso e abuso de filtros escuros, excesso de corte e excesso de música."

Cara, existe um negócio chamado vírgula.

Bernardo D.I. Brum | sábado, 26 de Agosto de 2017 - 23:32

Valeu o toque, André. Já dei uma arrumada aqui. Abraço!

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